quarta-feira, 1 de maio de 2019

Perdoar é libertar-se

A incapacidade de perdoar é a incapacidade de abrir mão de uma postura de dor, sofrimento e rancor. Quando experimento ou sinto uma ofensa, agressão, insulto, preconceito, segregação, e assim só me vejo nas alternativas de agredir de volta ou de me colocar vitimado, eu automaticamente estou perpetuando o rancor do Ego que insiste em sofrer. Deste modo não me libero da situação de dor e sofro emaranhado com o agressor. É importante sabermos que tanto o agredido que se mantém na posição de objeto, quanto o agressor ativo, ambos sofrem juntos e pagam um preço quando se mantêm perpetuando a situação, alimentando uma novela neurótica. Uma terceira maneira de lidar com situações assim (e isso exige muita inteligência emocional) é o perdão. Perdão não como uma aceitação passiva do que lhe houve, mas o perdão como uma maneira de você se livrar da cena e, se preciso for, se livrar também do outro. O perdão é uma libertação que ressoa positivamente, principalmente para si mesmo. Prender-se no fato ou na pessoa que lhe ofendeu só lhe deixa revivendo a cena. Isto é masoquismo. E no masoquismo, a pessoa se estaciona como eterna vítima do outro. Perdoar é se libertar daquilo que tanto lhe fez mal, fechar uma porta e seguir. Esta é uma das grandes manifestações de amor próprio. O destino da sua vida sempre será uma questão de escolhas que você faz para você mesmo e por você mesmo. Pode parecer uma incógnita, mas se você não se amar, você nunca vai perdoar!

quinta-feira, 28 de março de 2019

Amor que mata nunca foi amor: uma reflexão sobre crimes passionais

Se alguém acha que o ato de matar tem sua raiz no amor, está imensamente enganado. Grandiosamente e extremamente enganado. Faço questão de frisar isto, pois se em algum momento alguém mata é porque a relação que existia entre assassino e vítima nunca foi de amor, mas sim uma relação de objeto e posse. Nestes casos, o outro não era parceiro de amor, mas sim um mero objeto a serviço das vontades e da possessividade. Amar é suportar o outro não sendo meu e sim dele mesmo. Quando amo, amo o outro e não alguém que quero que o outro seja, conforme o que quero e o que penso. Amar é respeitar e conviver com quem escolheu estar ao meu lado, numa caminhada a dois, e não como se a caminhada fosse a Um. Casal não é um só. São dois uns, dois diferentes, cada um, cada um. Querer fazer dois virarem um só num mesmo ritmo e vontade é no fundo, desejo de matar a particularidade e matar a diferença. Cuidado com esses ou essas que dizem ser um só com você, e que vocês dois formam um só. Cuidado com esses ou essas que dizem que você precisa ser do jeito que ele ou ela querem. Existe uma grande diferença entre parceiros de amor que contornam diferenças para criarem um convívio mais saudável, e aqueles parceiros adoecidos que exigem que outro mude de personalidade ou mude para agradar ao Ego. Todo casal muda junto, tanto para o melhor ou para o pior. Mas este melhor e este pior têm que ser analisados pela própria pessoa. Você consigo mesmo precisa analisar se está melhor para você ou pior PARA VOCÊ MESMO! Você é seu parâmetro. Se for mudar por alguém, que seja primeiro por você mesmo. Mudar pelo outro é um engano e logo será um objetivo fracassado. É assim que começa uma relação doentia, e que em muitos casos acaba em agressão ou morte. Agredir e matar é objetalizar, possuir e enquadrar o outro dentro daquilo que o meu Ego quer. A lógica que está na raiz de um feminicídio ou qualquer homicídio passional que o senso comum erroneamente expressa "matou por amor" não é a lógica do amor, nunca foi, mas sim se trata da lógica onde o outro é objeto da minha vontade, e se a vontade não é satisfeita, o que a impede de ser completa acabará sendo eliminado, no caso o(a) parceiro(a). É uma manifestação da pulsão de morte em sua vertente agressiva, e todos os humanos carregam isso, uns mais outros menos.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

O que é um trauma para a Psicanálise? Assunto pertinente em função da tragédia de Brumadinho

O ser-humano é um ser traumatizado, pois o aparelho psíquico não dá conta de assimilar tudo e não dá conta de elaborar todas as experiências. Em alguma medida e em algum ponto, nós humanos sofremos de algum trauma, mesmo que pequeno. Vale lembrar que isso faz parte do nosso funcionamento psíquico, pois somos imperfeitos e nossa mente falha, fraqueja, apresenta lapsos e dificuldades em funcionar perfeitamente. Os traumas possuem sua raiz na infância, portanto, todo trauma é infantil. Como assim? Toda situação, vivência, experiência que venha a se tornar uma cena traumática é sempre uma atualização e reativação de um ponto de dificuldade da infância. Toda criança passou por alguma experiência de pavor, frustração, medo intenso, perplexidade, falta de entendimento de determinada cena, entre outras experiências que a colocaram em extremo estado de pressão psíquica e desamparo. Portanto, vivências posteriores ou secundárias, só se tornarão um trauma por terem ligações com estes núcleos infantis de sofrimento e desamparo, reativando memórias inconscientes e conteúdos adormecidos. Por isso que uma mesma situação experimentada por duas pessoas diferentes, por exemplo, em uma tragédia como a de Brumadinho, não necessariamente irá impactar da mesma forma estas duas pessoas envolvidas. Ambas irão sofrer e receber um impacto grande, mas para isso se fixar como trauma vai depender de cada uma. Isso tudo vai depender do que cada uma traz de vivências e experiências da infância e de como seu aparelho psíquico se organizou e aprendeu a funcionar antes mesmo da tragédia. Nem todo sofrimento virará um trauma, por mais extremo que tenha sido este sofrimento. Para consolidar-se um trauma é preciso que a cena secundária reative o desamparo de uma cena primária que ficou adormecida no inconsciente.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Aceitação não é conformismo, é atitude

Aceitação é uma virtude dos sábios. Não é fácil acessar esta virtude e ela se dispõe somente para os dispostos; para aqueles que a plantam e a cultivam.  Desenvolver a capacidade de aceitação é difícil, pois algo em nós insiste em sofrer e negar os fatos. Porém, quando enraizada no cotidiano, a aceitação deixa tudo mais fácil...  traz calma e nos permite ter tempo para pensar, viver e sentir, já que o contrário a isso é a ansiedade e a pressa adoecedora. A aceitação nos tira da revolta e do discurso vitimado. 
Quero ressaltar e deixar claro que aceitação não é conformismo. Aceitar o real das coisas e dos fatos é ser maduro o suficiente para entender que nem tudo está ao seu alcance e que a grande maioria da suas inquietações e ansiedades são por coisas que não serão mudadas por você, e que nem mesmo são de sua responsabilidade. 
Aceitar uma situação prepara o terreno e o estado de espírito para a estruturação da mudança. Quem aceita o real da vida, sai da zona de conforto e muda seu próprio destino. Este é o campo da atitude. O revoltado que não aceita, ele se vitimiza, infantiliza e não faz nada para mudar. O Ególatra (viciado no próprio Ego) não aceita nada e vive brigando com o mundo e com as pessoas... consequentemente, vive como um infeliz. 
Só é feliz quem aceita o real da vida e decide fazer algo diferente diante disso. Quem muda é você diante do real, e não você quem vai mudar o real. Seja dono de si mesmo, do seu destino, pois você nunca será dono das pessoas, das coisas ou do mundo. 
E então, o que você quer para si mesmo? 

terça-feira, 31 de julho de 2018

Metáfora da Angústia

"A angústia é a febre do aparelho psíquico" T.S.C.

A angústia é sinal do real pulsional, e está para o psiquismo, assim como uma febre está para o organismo. Sinal de risco de vida, psíquica ou organísmica.
Para Freud, a angústia é um sinal salvador que nos alerta para retificarmos nossa posição frente ao nosso desejo e para voltarmo-nos para a pulsão de vida.
Para Lacan, a angústia é um afeto que não engana e traz a certeza de que ali, na situação angustiante, há pulsão de morte.

segunda-feira, 30 de julho de 2018

Entrevista ao Jornal Observador em função de palestra realizada,

  1. Recentemente o senhor fez uma palestra no Hotel Tupyguá abordando o tema Depressão, Angústia, Narcisismo e Frustração. Como foi a aceitação do tema?
O tema foi bastante instigante e as pessoas se interessaram prontamente em participar já que são assuntos do nosso cotidiano e que permeiam a realidade de nossas vidas, famílias e conhecidos. Foi uma contribuição da Psicanálise para a nossa vida cotidiana.

Depressão é doença?
Na visão da Psicanálise e através de minha experiência na área posso afirmar que a Depressão é um estado de adoecimento onde o sujeito deprimido abre mão de investir sua atenção e energia no mundo externo. O fechamento e retorno a si mesmo é uma marca deste adoecimento psíquico que, como pude abordar na palestra, tem seu início em situações de perdas e frustrações as quais pessoa não deu conta de assimilar, elaborar, aceitar e seguir. A pessoa sofre com situações de perdas e todo o investimento afetivo, energético e de expectativas que antes eram direcionados para o que foi perdido, retornam para a própria pessoa que, sobrecarregada por tal reinvestimento em si mesma acaba padecendo por não suportar tamanha pressão interna no próprio Eu.

Ela é típica de determinada idade?
A depressão pode acometer as pessoas em qualquer idade e temos que considerar o caráter hereditário, que não envolve somente a genética, mas também fatores socioambientais do meio familiar. Ou seja, estilos de criação, características que a família possui em lidar com determinadas situações da vida, principalmente com situações de perdas. São variáveis e estilos que hereditariamente uma família vai transmitindo ao longo das gerações.

Qual a diferença entre angústia e depressão?
A angústia, para a Psicanálise, é um sinal que o aparelho psíquico manifesta e envia ao sujeito avisando-o de que há risco para a saúde mental. Toda angústia é um sinal de que a pessoa não está vivendo de forma harmônica com seu próprio estilo, jeito, característica, personalidade. É sinal de que a pessoa não está funcionando conforme ela dá conta. Angústia é um alerta que quando não respeitado e entendido pode levar à depressão.

O que é narcisismo?
Narcisismo é uma fase na estruturação de toda personalidade. Todos nós passamos por esta fase nos primeiríssimos anos de vida. Narcisismo é uma etapa na constituição do aparelho psíquico. Na palestra, abordei as manifestações desta fase narcísica na vida adulta e as dificuldades que tal narcisismo tem trazido na vida cotidiana. Vale lembrar que expliquei também na palestra, o fato da Depressão ser um adoecimento narcísico. É um fechamento narcísico no próprio Eu, envolvendo tendências mortíferas e de autodestruição. O Narcisismo excessivo é autodestrutivo e a pessoa corre riscos, inclusive de se adoecer, se boicotar e se matar.

O fato de eu gostar de mim é narcisismo?
Uma dose de Narcisismo é fundamental e vital para todos nós, senão não teríamos nem mesmo o cuidado de nos mantermos saudáveis, alimentados, limpos e bem apresentados socialmente. Como eu disse na palestra, o problema do ser humano é o não saber dosar, é a tendência ao excesso, é a dificuldade por sermos desmedidos. E com o Narcisismo não é diferente. Adoecemos por sempre irmos além do prazer, por querermos sempre irmos além do limite, muitas vezes, masoquistamente o ser-humano busca passar do limite para se satisfazer na dor e no sofrimento.

Narcisismo também pode levar à frustração?
A Frustração é uma situação corriqueira que faz parte do ciclo da vida, e é através dela que nós buscamos movimentar no mundo externo, justamente porque a falta é o que causa nossa busca cotidiana. A falta causa vida, a falta da falta já é a angústia que traz a morte.

Como enfrentar uma frustração?Assimilar e fazer da frustração uma causa para a manutenção da vida e da busca por novas experiências de satisfação, novos investimentos afetivos e de energia, dosados e respeitando o modo particular que cada um funciona.

quarta-feira, 18 de abril de 2018

Fake News ou Notícias Falsas

As notícias falsas ou Fake News possuem grande poder de circulação e se propagam com rapidez porque atingem as fantasias imaginárias das pessoas e isto as fazem sentir prazer. Quando um fato começa a gerar Fake News o que está em jogo ali são as fantasias das pessoas que criam tais falsidades, ativando na mente dos outros uma proliferação de associações e pensamentos que trazem uma certa satisfação pulsional, tanto quando o leitor recebe a notícia como também quando ele replica e encaminha a fantasia para outras pessoas. É um efeito de grupo e de satisfação coletiva, pois a parte imaginária do aparelho psíquico fica estimulada e isto traz prazer ao ser humano.

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Janeiro Branco: Saúde Mental

Entrevista ao Jornal Folha de Pedro Leopoldo

1 - Este mês se comemora o Janeiro Branco, como forma de chamar a atenção para questões relacionadas à saúde mental. Os casos de problemas de saúde mental têm aumentado em Pedro Leopoldo? Se sim, você tem dados do quanto aumentou nos últimos anos?
Foto Consultório Particular em Pedro Leopoldo
Os casos de pessoas que precisem de acompanhamento e tratamento em saúde mental têm aumentado sim de forma bastante considerável, tanto no SUS como na rede particular. Tanto pessoas com transtornos mais graves como também pequenos sintomas de desequilíbrio psíquico estão aumentando em nossa contemporaneidade. Desde transtornos compulsivos, ansiosos, depressivos até mesmo as psicoses e abusos de drogas estão cada dia mais presentes no cotidiano dos atendimentos nos serviços de saúde e consultórios. No Livremente, que é um serviço especializado nos transtornos Psiquiátricos graves, e que faz parte da rede SUS municipal, percebemos um crescente número de novos casos chegando para acolhimento a cada ano. Até hoje, desde que foi fundado em 2001, o Livremente já recebeu para tratamento cerca de 8.500 pessoas, todas pertencentes ao círculo populacional de Pedro Leopoldo. Um percentual bastante alto em relação à nossa população atual, que gira em torno de 60.000 habitantes. Ou seja, cerca de 14% da população de Pedro Leopoldo já passou pelo Livremente desde 2001 até hoje, e isto sem contar os casos mais brandos que nem chegam no Livremente e são tratados nos Postos de Saúde dos bairros, e sem contar também os números de pacientes que se tratam nos consultórios particulares. 
 
2 - E qual a doença com maior número de diagnósticos em PL?
O maior número de casos são de pessoas acometidas por transtornos mentais em decorrência do Abuso de Drogas e Álcool, Transtornos Ansiosos e Depressões. Aliás, a Depressão é considerada um dos grandes males do século e um dos grandes problemas de saúde no mundo.
 
3 - Caso exista, a que você relaciona este aumento de casos?
São diversos os fatores que contribuem para o adoecimento psíquico, como por exemplo organização familiar e hereditariedade, mas o aumento de pessoas precisando de tratamento em saúde mental se deve muito ao modo como nossa sociedade vem funcionando, ou seja, há uma loucura da vida cotidiana marcada pela pressa, consumismo, intolerância, pressão e busca pela perfeição, além de também, especificamente no Brasil, a carência econômica e carência sociocultural. Tudo isto contribui para o ser humano se desestabilizar e entrar em colapso mental.
 
4 - Na sua opinião, há um exagero do número de diagnósticos de doenças mentais atualmente? Se sim, por quê?
Sim. Há um exagero de diagnósticos em função do discurso científico precisar rotular, classificar e medicar qualquer coisa da vida atualmente, para poder lucrar em cima disto. Há uma tendência científica atual de  medicalizar a vida e transformar qualquer momento normal de dificuldade existencial em necessidade de ser considerado doença, para simplesmente vender mais remédios. Além disto, as pessoas preferem tomar um remédio e acreditarem que elas possuam um diagnóstico do que construírem as respostas e saídas para o sua dificuldade atual, de modo a mexer na estrutura do sofrimento e não somente amenizar os sintomas. Nenhum medicamento na área de Saúde Mental muda a estrutura da pessoa, mas sim alivia sintomas. A indústria farmacêutica investe pesado na propaganda e no discurso de que há remédio para tudo que você sinta, porém ao preço de você ficar dependente disto. Remédio para dormir, remédio para acordar, remédio para falar, remédio para calar, remédio para parar, remédio para andar, remédio para concentrar, remédio para se desligar, e por aí vai. Enfim, a Ciência, em sua busca pelo faturamento financeiro, descobriu que as pessoas adoram remediar a vida ao invés de realmente buscarem saídas consistentes e estruturantes. Há casos sim que precisam da medicação por toda a vida, para que a pessoa tenha um mínimo de estabilização para seguir no cotidiano, como por exemplo os transtornos graves. Há muitos casos também que, juntamente com a busca por outras alternativas terapêuticas, a pessoa precise momentaneamente da ajuda medicamentosa. Mas há outros muitos casos em que a medicação foi a escolha pelo caminho mais fácil, sem nem mesmo a pessoa precisar e sem nem mesmo tentar um caminho mais estruturante e que vá realmente na raiz dos sintomas.
 
5 - Qual o trabalho desenvolvido pelo Livremente e o quanto ele tem ajudado neste sentido?
O Livremente é um equipamento denominado CAPS II - Centro de Atenção Psicossocial - Nível II – e configura-se como uma clínica de atenção especializada para o cidadão acometido por Transtornos Mentais Moderados e Graves. Nosso serviço funciona com plantões de acolhimento às crises e urgências Psiquiátricas, bem como para avaliação e tratamento dos casos encaminhados por nossa Rede de Atenção local (RAPS). A equipe é composta por Profissionais de Psicologia, Psiquiatria, Enfermagem, Terapia Ocupacional, Artista Plástico, Assistente Administrativo, Estagiários de Psicologia e Administração, Auxiliares de Serviços Gerais, Porteiro, Motorista.
O acolhimento/ recebimento e vínculo com o paciente é feito da seguinte forma: os pacientes chegam por dois caminhos: por uma crise e urgência imediata, ou via encaminhamentos dos outros equipamentos da nossa rede de Saúde, principalmente as unidades básicas de Saúde dos bairros (ESFs). O CAPS II - Livremente recebe também demandas de outras Secretarias como, por exemplo, Assistência Social e Educação, além de exigências da Promotoria e Justiça.
CAPS II - Livremente - em Pedro Leopoldo-MG.
O principal serviço oferecido pelo CAPS II - Livremente é a atenção no regime de Permanência-dia ou Hospital-dia, onde os pacientes permanecem o dia todo, passando por atividades em Oficinas Terapêuticas, recebendo as consultas especializadas e medicações. Os pacientes recebem também três refeições diárias (café da manhã, almoço e café da tarde). Além desta atenção intensiva na Permanência-dia para os casos mais graves, oferecemos também atendimentos ambulatoriais nos plantões de acolhimento com os profissionais de Psiquiatria, Psicologia, Terapia Ocupacional e Enfermagem. O objetivo da instituição é construir e garantir ao usuário um convívio social saudável, principalmente no meio familiar, parte importante para a evolução do tratamento de cada paciente atendido.
O CAPS II - Livremente é sustentado pela Legislação básica dos princípios e normas do SUS e Legislação especializada da Saúde Mental e Reforma Psiquiátrica da Luta Antimanicomial.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Redes Sociais: sintoma contemporâneo da recusa da vida real

A recusa do encontro real para restringir a vida ao mundo virtual é um sintoma de nossa contemporaneidade. Estamos cada dia mais virtuais e menos virtuosos. O encontro real com os outros e a convivência com as diferenças dos outros é um desafio cotidiano que exige de nós muita adaptação, paciência e compreensão. Tudo isto é o que nos faz crescer e evoluir, mas é também ao mesmo tempo tudo que o sujeito contemporâneo hipermoderno quer evitar, fugindo para o mundo virtual, onde tudo é lindo, fácil, rápido, na hora que eu quero, e que quando não quero basta eu "deletar", "excluir" ou "bloquear" e escolher logo outro ser humano objeto, da forma como fazemos nas prateleiras de supermercados e lojas. Estamos todos em liquidação e a vida se tornou um grande mercado!
O mundo das redes sociais é um mundo paralelo e totalmente diferente do mundo real. É um mundo fácil, porém esta facilidade cobra um preço, que é a nossa cotidiana incapacidade de lidar com as adversidades e desafios da vida real. Estamos cada dia mais impulsivos, imediatistas e incapazes de elaborar dificuldades, de lidar com perdas e de assimilar as diferenças. Não é por acaso que temos percebido o aumento da intolerância e agressividade, pois se não tenho condições de deletar e bloquear o outro na vida real eu parto para a agressão verbal e física, já que não sei dialogar, conversar e entender que o mundo não vai ser do jeito que acredito virtualmente. Nossos jovens não estão aprendendo a construir o futuro, a planejar para colher resultados, mas sim estão a prendendo a ter satisfações imediatas e rápidas sem precisar persistência e aprendizagem ao longo do caminho. O que isto causa? Ansiedade e comportamentos impulsivos, além de melancolia e isolamento, pois satisfação fácil e rápida não preenche o vazio existencial, apenas ilude, engana e faz crescer o rombo interior no Eu.
Este sintoma contemporâneo de exclusão do contato real tem nos obrigado a reduzir nossa comunicação à escrita de poucas palavras e às imagens, onde a voz, o diálogo coeso e o contato ao vivo ficam em segundo plano. O grande problema é que este contato virtual, mesmo que com diversas pessoas ao mesmo tempo não substitui o real das sensações de um encontro ao vivo. E quanto mais abrimos mão do contato ao vivo, numa fuga do desafio de aceitar o outro bem como evitação dos sentimentos que isto desperta, mais a gente busca satisfações substitutas de formas excessivas e sem controle, como drogas, consumismo, jogos, alimentação e sexualidade. E quanto mais caímos na compulsão excessiva mais fechamo-nos em uma bolha narcísica. Assim, menos estruturados e menos aptos para a VIDA REAL ficamos.
Diante das diferenças no contato com os outros que deparamo-nos com aquilo que, em nós mesmos, precisamos mudar, evoluir e tratar. O fechamento narcísico virtual só nos adoece e mortifica. O contato com os outros é um espelho que me mostra projetivamente aquilo que não suporto em mim mesmo, experiência importante com a qual posso escolher me fazer uma pessoa mais madura e crescer como ser-humano. Mas quem é que quer crescer né? 

terça-feira, 7 de novembro de 2017

Freud, Inteligência Emocional e Comunicação Não-violenta

      Um dos grandes desafios de nossa contemporaneidade é a comunicação não violenta, já que a agressividade tem se mostrado cada dia mais explícita, desmedida e presente em nosso cotidiano.
         O ser humano comporta-se muitas vezes escolhendo o caminho mais fácil e reage a determinada situação com posturas agressivas, violentas e sem limites civilizatórios. Este tipo de reação imediatista faz parte da estrutura humana, e se cada pessoa não se dedicar ao esforço interno, a tendência é ficarmos neste automático da reação violenta, seja em atos, seja em palavras, gestos e comportamentos. Aliás, um grande sintoma do adoecimento social de nossa época é exatamente este automatismo impulsivo que temos adotado ao invés do diálogo, da comunicação e do uso da linguagem. Preferimos funcionar pela via do caminho mais fácil da resposta agressiva automática do que parar, pensar, elaborar, construir e apresentar uma reação diferente, civilizada e, portanto, mais voltada para o bem da sociedade. O caminho mais fácil nem sempre é o melhor. O caminho mais difícil e que exige mais esforço é, nestes casos, um grande investimento com retorno positivo garantido.
Freud, em 1930, no texto “O mal-estar na Civilização” apresenta uma de suas teses quando fala do conflito e sofrimento que surge da incompatibilidade entre os anseios particulares de cada pessoa e o meio social, ou seja, o conflito entre o que quero fazer e o que posso fazer dentro do que é permitido, pois a vida civilizada exige-nos renunciar às nossas pulsões mais íntimas em prol da vida em comunidade. Freud fala que um os grandes sofrimentos do humano é ter que constantemente abrir mão de algumas vontades, como por exemplo, sexuais e agressivas, em prol da convivência pacífica com os outros e com a lei. A inteligência emocional, ou se preferirem em outras palavras, a pessoa com a mente mais organizada e saudável sofre menos diante dos desafios da vida civilizada e diante das renúncias que precisa acatar, pois consegue, mesmo frustrado em alguma medida, que isto não o faça reagir pela via da impulsividade e nem mesmo pela via do ato desmedido, desequilibrado e contra as normas sociais. O inteligente emocionalmente sabe que cada desafio na vida civilizada é uma chance para amadurecer, viver melhor e mais estruturado.
Uma pessoa se mostra psiquicamente bem estruturada, quando recebe e sofre um estímulo de agressão, desrespeito, injúria, mas mesmo assim constrói outras saídas para o problema, que a impedem inclusive de entrar no jogo da comunicação violenta e sofrer junto com o agressor. Quanto mais reagimos no nível da agressão, mais nos prendemos ao ciclo violento e sofremos junto àquele que nos agrediu. Para livrarmo-nos de situações agressivas, a primeira medida é sair do ciclo violento ao qual o agressor lhe convidou a entrar, a permanecer e sofrer com ele. A saída do núcleo estressor não é nem a reação, nem a vingança, mas a construção de outra possibilidade, que pode ser muitas vezes o posicionamento não violento, a comunicação não violenta ou outras maneiras de quebrar o impulso que chegou até você. Quando recebemos um impulso violento devemos quebrar e romper este ciclo adoecedor com uma simples postura de comunicação não violenta. O contrário a isto, ou seja, reagir na mesma linha, deixa sobre nós, consequências negativas e aumento do problema. E quem sofre ainda mais são as pessoas que ficam aí alimentando a cena, que se não for esvaziada, rende mais sofrimento e desprazer.
Fiquem atentos pois, nós seres humanos, adoramos sofrer e estamos sempre por aí convidando uns aos outros para entrarmos numa situação de violência, agressão, desrespeito e assim ficarmos todos abraçados afundando neste mar de masoquismo, ao invés de seguirmos rumo à evolução e ao bem estar.


quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Trabalho e realização pessoal: dinheiro traz felicidade?

Desde os primórdios da evolução da nossa espécie, o ser-humano por necessidade de sobrevivência, desenvolveu a habilidade de fabricar utensílios, ferramentas, artifícios e moradas que o possibilitasse sobreviver, vencer as dificuldades da natureza e perpetuar a espécie. O trabalho existe no nosso DNA e esteve conosco desde nossa tomada de consciência como Homo Sapiens. O pensar e o agir são características fundamentais da nossa espécie, que então é considerada Homo Sapiens e Homo Faber, respectivamente, Humano que Pensa e Humano que Fabrica. O trabalho representa nossa sobrevivência, representa nossa tomada de consciência e atitude para realizarmos coisas que nos possibilitem continuarmos vivos como espécie. Com o passar da evolução e tecnologia, trabalhos de outros humanos acabaram nos deixando mais confortáveis e menos ambiciosos, já que muito já foi feito, realizado, pensado e construído. Atualmente, o ser humano não se sente somente tão obrigado a trabalhar para perpetuar a espécie e sobreviver, mas muito mais para consumir e ter objetos e bens. A lógica do Homo Faber, na contemporaneidade, não é mais a mesma de antes, pois trabalha-se muito mais para ter dinheiro do que para se sentir realizado em uma função profissional. Estão cada dia mais raros os seres humanos que trabalham com o que gostam, possuem paixão e dom. Por que? Porque nossas crianças crescem aprendendo a lutar somente pelo ter e não pelo ser. O ter não é um problema, mas se torna adoecedor quando não está em conjunto com um propósito pessoal de realização subjetiva. Não é a toa que vemos diversos jovens se formando em profissões por conta do salário e não porque possuem aptidão, gosto e satisfação com aquela tal profissão. E nessas horas as expectativas dos pais e da família podem ser esmagadoras, reprimindo nos filhos anseios pessoais que ficam ofuscados em nome da busca pelo salário. Volto a dizer: ter dinheiro não precisa ser um problema e todos nós temos direito de sermos prósperos financeiramente, mas quando a busca cega pelo dinheiro esmaga a subjetividade e os sonhos pessoais, a chance de você ser uma pessoa com dinheiro mas adoecida emocionalmente se torna bastante alta. E o adoecimento emocional necessariamente adoece o corpo. Logo, se você não respeitar seus desejos particulares e seu propósito de satisfação pessoal no trabalho, a chance de você ser uma pessoa rica, porém sem saúde é quase certa.Sendo assim, é importante que cada um identifique sintomas que podem dar sinais de insatisfação com o trabalho, como irritabilidade, humor rebaixado, rompantes agressivos, pressão alta, ansiedade, pensamento acelerado, alto consumo de álcool, drogas ou abuso de alimentos, principalmente frituras e doces (mecanismo de compensação, que pelo sabor e prazer substituem frustrações de outro setor da vida). Quando estivermos insatisfeitos no trabalho, podemos readequar a rotina, mudar logísticas de funcionamento, ou até mesmo rever se realmente estamos trabalhando com o coração ou só com a mente. Ou seja, você trabalha por realização pessoal ou por realização bancária? Vale lembrar que é possível realizar as duas coisas ao mesmo tempo, isto é, trabalhar com o que gosta e ser próspero financeiramente, já que quando estamos no nosso propósito do coração e realizando aquilo que nos dá emoção, o dinheiro fluirá com naturalidade e estaremos cuidando automaticamente da nossa saúde biopsicossocial. A vida só pode ser plenamente vivida quando o consumo está sob nossa gestão e a nosso favor e não quando somos escravos dele. Ou seja, é o dinheiro quem tem que estar para nós e não nós para ele. O dinheiro precisa ser uma ferramenta em que o humano possa usar e não um senhor do qual o ser humano se torna objeto. Dinheiro sim traz felicidade, mas somente se a pessoa é dona do próprio destino. Dinheiro não traz felicidade quando o dinheiro é o único destino da vida da pessoa. A escolha é de cada um, e as consequências também.

terça-feira, 2 de maio de 2017

A subjetividade é terreno inviolável: reflexão em tempos de intolerância política

Recentemente fui perguntado sobre o que a Psicanálise teria a dizer quanto a um episódio de repúdio por parte de um adulto frente à posição política momentânea de um adolescente. Posição política esta do adolescente, incompatível com a posição subjetiva deste adulto.
O que a Psicanálise pode dizer e esclarecer é que uma posição política ou uma escolha ideológica é uma das formas de expressão da subjetividade, principalmente de um adolescente, em transição, em plena metamorfose pessoal e em formação de presença singular no mundo. Ou seja, estamos no campo da esfera íntima e particular. Estamos no campo da liberdade de o sujeito decidir ser quem quiser, da forma como quiser e compartilhar dos pensamentos que no momento lhe fizerem ter uma identidade. Se esta postura transcender a ordem pública ou invadir o direito alheio, então temos os aparelhos de poder do Estado para mediarem, conterem e se for o caso, até mesmo punirem.
Interpelar a subjetividade de um ser humano sem o direito formal instituído para tal dever social é invadir um terreno sensível, e no caso de um adolescente em plena formação de personalidade é invadir um terreno frágil. Os efeitos de tal desrespeito podem ser graves, a depender do nível de estruturação ao qual o adolescente já esteja desenvolvido e do nível de suporte familiar que possui.
            Nunca devemos nos esquecer que a adolescência é tempo de turbulência, metamorfoses e mudanças. Uma postura política, ideológica ou pensamento de um adolescente pode logo a frente mudar-se, visto que o sujeito adolescente está em plena experimentação, em plena construção, e qualquer intervenção irresponsável frente a este sujeito pode lhe trazer prejuízos psíquicos importantes.
            Atualmente, temos atravessados tempos difíceis de intolerância e narcisismo, onde as pessoas acreditam serem melhores ou terem posturas mais maduras do que outras e devido a isto se sentem no direito de atacar, julgar e punir. O cenário político brasileiro e mundial têm dado mostras deste narcisismo egoísta que agride tudo e todos que não lhe parecem iguais. A diferença virou motivo de agressão! Cito Caetano Veloso na música ‘Sampa’ “é que narciso acha feio o que não é espelho”.

Cada um precisa cuidar de si, pois o julgamento nada mais é do que a imperfeição própria sendo projetada especularmente no próximo. Quanto mais eu julgo mais eu dou a prova de que eu estou mal resolvido comigo mesmo. A projeção é um mecanismo psíquico em que coloco no outro uma agressividade que eu mesmo tenho contra minha própria pessoa. Porém, os outros não têm nada a ver com isso e não precisam pagar um preço pela minha imaturidade e falta de inteligência emocional. A perfeição não está comigo, nem com você, nem com adulto, nem mesmo com o adolescente. Já diziam as pessoas mais espiritualizadas: A perfeição não é deste mundo!

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Inteligência Emocional: estar bem consigo mesmo

Seguem aqui as respostas que produzi frente às perguntas do Sr. Samuel Tadeu, Editor-chefe do Jornal Observador de Pedro Leopoldo-MG, a respeito do tema "Sentir-se bem consigo mesmo", algo que eu mesmo entendi como relacionado ao campo da "Inteligência Emocional".

1- O que significa estar bem consigo mesmo?
Principalmente ter desenvolvido a inteligência emocional suficiente para ser autorresponsável por todo o destino de sua vida e por tudo que lhe ocorre, juntamente com o sentimento de gratidão por tudo que enfrentou, conquistou e desenvolveu, ou seja, grato consigo mesmo pela luta pessoal do cotidiano, pelas conquistas, pelas vitórias, pelas derrotas e erros com os quais pode aprender e evoluir. Além disso, para a pessoa se sentir bem consigo mesma uma das condições primordiais é a de não se sentir vitimada, pois a posição vitimada produz rancor, desgosto e baixa autoestima. O vitimado nunca estará bem consigo mesmo, já que estar numa condição de vítima é dizer para si mesmo e para o mundo que ela não é boa o suficiente e não merece se sentir capaz. A vítima é a personificação da derrota; e se a pessoa se sente derrotada como poderá ficar bem? Impossível.

2- O que leva a pessoa a não estar bem com ela mesma?
Sensação de não merecimento, culpa, ingratidão e baixa autoestima. Tudo isto somado à posição vitimada é o que leva uma pessoa a fechar as portas da possibilidade de se sentir bem consigo mesma. A pessoa que não se respeita, não se trata bem, não se perdoa, não se ama, e sente que não merece viver bem, automaticamente sem pensar e sem ter consciência disso irá tomar decisões e atitudes que o levarão ao pior. Portanto, inconscientemente a pessoa que não se sente bem consigo mesma busca se punir, se adoecer e se fazer mal, numa espécie de masoquismo velado e bem disfarçado em uma posição de vítima dos outros e do mundo.

(Perguntas 3, 4 e 5 juntas em uma só resposta)
3- Qual a importância de ter ao nosso lado a presença de outras pessoas? 4- Por que a presença do outro às vezes nos incomoda tanto? 5- Seria este o motivo relacionado ao isolamento de muitas pessoas?
O ser-humano é ao mesmo tempo um ser social e avesso ao seu semelhante. Carregamos internamente esta divisão e conflito de ao mesmo tempo que queremos contato, nós temos uma aversão ao que os outros causam e despertam. A presença do outro em nossas vidas é a fonte de onde mais recebemos feedback e retorno de como somos, como estamos e o que sentimos. Somente no convívio com o outro que eu me torno um sujeito melhor comigo mesmo e evoluo. Porém é importante ressaltar que não são os outros que me dizem quem sou, mas é pelo convívio com o outros que eu mesmo me descubro quem eu sou. Sozinho isso seria impossível, pois ninguém acessa a si mesmo se não for pelas experiências que colhe fora.
A presença do outro às vezes incomoda somente quando eu encontro no outro algum traço de minha personalidade, característica ou jeito que eu mesmo possuo e não suporto ou não gosto. Nosso aparelho psíquico funciona muito pela via do mecanismo da Projeção Inconsciente, e quando eu encontro no outro a semelhança de algo em mim que não gosto ou que eu não mais gostaria de ter, eu projeto inconscientemente minha raiva, frustração e revolta. O ser humano não gosta no outro exatamente aquilo que internamente em si próprio não está dando conta. Para que os outros passem a te incomodar menos olhe para si mesmo e descubra o que esta relação específica está despertando em si mesmo. Ao se tratar e ao se livrar de suas neuroses e traços de personalidades disfuncionais, você automaticamente passará a não se incomodar tanto com alguns outros à sua volta. A coisa é inconsciente e é séria! A pessoa que se isola não está afim de se encarar, não consegue pagar o preço da evolução pessoal e não dá conta de lidar com as próprias questões, porque o contato com os outros é o que nos faz termos contato direto com o nosso âmago mais profundo. Não por acaso que o casamento e os relacionamentos sinceros nos exigem amadurecimento, pois o contato intenso com o outro potencializa o meu contato comigo mesmo e com meu mundo interno.

6- Para um bom relacionamento quer seja com amigos ou parceiro é fundamental estarmos bem com o que somos e fazemos?
Se eu não estou bem comigo mesmo e não trato minhas neuroses, por uma questão lógica, eu vou projetar isto nos outros à minha volta; e esta é a causa de tantos relacionamentos ruins e disfuncionais.

7- Muitas vezes as pessoas se envolvem em situações conflituosas e só deparam com esta situação depois que o leite está derramado. Como explicar isto?
A impulsividade é uma marca negativa de nossa contemporaneidade. Cada dia mais estamos produzindo crianças impulsivas, adolescentes ansiosos e adultos inconsequentes. Na palestra que fiz para o Rotary, sobre o tema "Ética na Contemporaneidade" pude abordar os três tempos lógicos que a Psicanálise formula sobre o funcionamento psíquico e que explicam o porquê de estarmos tão impulsivos e ansiosos. São eles: Instante de Ver, Tempo de Compreender e Momento de Concluir. A impulsividade típica das relações atuais não passam de uma consequência do esmagamento e diminuição do "Tempo de Compreender". Para a Psicanálise, todo pensamento, experiência, vivência, ação e comportamento passam por estes três tempos lógicos citados acima. Tudo que fazemos depende do nosso Instante de Ver e Experimentar uma determinada situação, para depois passarmos ao Tempo de Compreender esta determinada situação e elaborar o que experimentamos, para depois irmos ao Momento de Concluir, que é a decisão, reação e reposta frente ao que vi e elaborei. O grande problema é que na contemporaneidade nós passamos a eliminar o tempo de compreender e estamos curto-circuitando nosso aparelho Psíquico direto do Instante de Ver para o Momento de Concluir. Estamos cada dia mais eliminando o tempo de elaboração das coisas, o tempo de calcular as consequências, o tempo de pensar os efeitos, e passamos direto para a Conclusão! Não é à toa que estamos produzindo tantas agressões, tantos adoecimentos emocionais no corpo e tantas crianças com hiperatividade, ou seja, doenças e sintomas de uma sociedade que não mais possui o Tempo de Compreender tão necessário inclusive para sermos pessoas éticas e respeitosas com as leis e normas, cruciais para uma vida digna e saudável em sociedade.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Gratidão

Gratidão pode ser um estado de espírito ou até mesmo um sentimento.
A pessoa que sente gratidão ou se coloca aberta ao sentimento de gratidão, tem grandes chances de viver com mais paz consigo mesma e com os outros. Quanto mais gratos nos sentimos menos cobramos do outro e de nós mesmos. Este ponto aqui é o maior causador de conflitos interpessoais, ou seja, a cobrança além do que a pessoa pode dar. Idealizamos demais o outro à nossa volta, mas somos todos humanos e estamos todos no mesmo barco da evolução. Quanto mais grato eu estiver e idealizar menos quem convive comigo, menos frustrado permaneço.
A consequência mais positiva para quem consegue acessar o estado de gratidão é o viver de forma menos ansiosa, reduzindo também consideravelmente a possiblidade de desenvolver uma depressão, simplesmente porque a pessoa que está se sentindo grata considera que não há ninguém em dívida afetiva com ela, não cobra das pessoas nada além do que as pessoas conseguem dar. Sentir-se grato pelo que tem, pelo que já conquistou, pelas condições de vida na qual se encontra, gera uma liberdade da pressão de se sentir culpado e devedor consigo mesmo, logo terá mais energia para poder evoluir e conquistar; e menos tempo perderá projetando esta culpa e dívida nos outros. Com isso deixamos de achar que os culpados são os pais, o parceiro afetivo, o amigo, a professora, o chefe ou qualquer outro, e assumimos as rédeas do próprio destino.
Ter gratidão é assumir que o estado atual de sua vida e do seu entorno está exatamente do jeito que você construiu, buscou e plantou, e ninguém tem culpa disso.
Mesmo que alguém tenha lhe feito algum mal, o que você vai fazer com isso é responsabilidade sua, e a gratidão consigo mesmo por conseguir fazer algo positivo diante de uma experiência negativa é o que pode lhe dar uma vida mais digna, calma e sem as diversas neuroses doentias do cotidiano humano.

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Sexo / Sexualidade / Sexuação. O que está em jogo na nossa época hipermoderna?

A sexualidade é sempre traumática!
Para o ser humano, se posicionar frente ao mal estar sexual é um desafio desde a infância. Sofremos de falta de um instinto animal que dite as regras da nossa direção sexual. Para o humano, em sua constituição, não há necessariamente uma equivalência direta entre o sexo e a sexuação subjetiva de cada pessoa. Não há correspondência direta e exclusiva entre gênero biológico e a posição sexuada do humano, este animal civilizado e falante. A escolha sexual não é determinada exclusivamente pelo gene, mas muito pelas identificações inconscientes e pelas influências da hereditariedade (estilos, traços, modos de criação transmitidos pelas gerações nos chamados “complexos familiares”). Se antes, em outros tempos, a sexuação ou posição sexuada era abafada e restrita à dicotomia entre dois gêneros, hoje, na nossa hipermodernidade líquida, tudo é mais fluido e sem padrões estanques, ainda mais na esfera sexual.. A mudança de sexo, atualmente, está mais acessível àquela pessoa para quem a natureza de seu organismo não é compatível com sua verdade subjetiva. Para além da liberdade sexual, o que fica em jogo é o sujeito que, sem saber ao certo sua posição sexuada, fica à deriva, objetalizado no fluxo de uma lógica dita “moderna”, porém muitas vezes sem bordas e sem limites.
         Fomentados por um discurso científico de que tudo é possível, os seres contemporâneos se lançam cada dia mais nos procedimentos de readequação sexual, os chamados “Processos Transexualizadores”, que compreendem desde tratamentos hormonais às intervenções cirúrgicas. Sendo assim, a mudança de sexo, atualmente, está mais acessível àquela pessoa para quem a natureza de seu organismo não é compatível com sua verdade subjetiva (sua sexuação ou sua posição sexuada).
Vivemos uma era onde há uma fluidez generalizada, causando mudanças em vários setores da vida, e aqui podemos colocar de forma especial o campo da sexualidade, engendrando assim novas identidades, novas identificações e consequentemente novos modos de relacionamento.

A heterossexualidade, ou seja, a lógica da relação heterossexual encontra-se para muitos seres contemporâneos como algo ultrapassado e arcaico, chegando a existir certos movimentos de liberação sexual para além dos padrões estabelecidos pela moral social. Porém, para além da liberdade sexual o que está em jogo é o sujeito que, sem saber ao certo sua posição sexuada, permanece à deriva, objetalizado no fluxo de uma lógica dita “moderna”, porém muitas vezes sem bordas e sem limites.

domingo, 13 de dezembro de 2015

Crise e desastre: interface entre o social e o subjetivo

Trago aqui um resumo de minha palestra, realizada na quarta-feira dia 02/12/15, em mais um evento no Hotel Tupyguá. Ocasião organizada por Maria Florêncio, que sabiamente trouxe convidados especiais implicados em pensar a condição humana e dispostos a uma reflexão crítica a respeito da tão falada “crise”, seja ela a crise social, seja ela a crise pessoal que cada um enfrenta em sua particularidade. Pude contar com uma participação ativa dos convidados em perguntas e pontuações perspicazes, dignas de pessoas atentas ao real. Segue abaixo o tema trabalhado no evento. Vou me restringir a escrever brevemente o que levantei como provocação a partir da Psicanálise.
            Qual é o estatuto das crises? A rigor, para a Psicanálise, toda crise é econômica! Seja ela do Estado ou de um indivíduo, o que coloca uma existência em crise é um problema econômico. E aqui não digo que economia, para a Psicanálise, se restrinja ao dinheiro, ao lado financeiro da coisa. O termo ‘econômico’ nos remete ao fator quantitativo e o quanto uma pessoa investe seu afeto, sua energia, sua pulsão de vida nas coisas que realmente vão lhe render frutos. E o quanto investir errado um afeto deixa um indivíduo em crise. No Estado, nos Governos, nas políticas ou na vida particular, o que traz uma crise é um desuso da matemática, é um descaso com o fator econômico, ou seja, é a negligência e boicote ao investir afeto, energia e pulsão onde você já sabia que não ia dar certo. Mas como saber que ali eu não terei um retorno interessante e irei me arruinar? Como evitar o problema econômico que me leva à crise? Pois bem, o que nos aponta uma crise e o que nos tira dela é o real! Basta ler o real! Assimilar o que real nos apresenta, pois as crises são sempre anunciadas. E quem nos anuncia é o real. Como dizia o psicanalista francês Jacques Lacan: “existe saber no real”. Há saber no real, e somente aqueles que conseguem ler este saber no real é que se posicionam de maneira interessante frente uma possível crise.
Um Estado ou uma pessoa só entra em crise, quando nega o saber no real. O real não falha, os fatos, os dados, os números, mostram, os resultados nos dizem algo, porém nós ignoramos, passamos adiante sem nada querer deste saber, e é exatamente assim que topamos com uma crise. Por rejeitarmos tanto o real, acabamos tendo que lidar com rompimentos de barragens, com o retorno daquilo que evitamos tratar e que apenas fomos guardando em um espaço onde não cabia mais tanto rejeito. O desastre da barragem na cidade de Mariana é uma metáfora do nosso funcionamento psíquico. O que aconteceu lá é similar ao que acontece dentro do psiquismo de cada pessoa. Rejeitamos aquilo que não queremos saber, evitamos ter que lidar com aquilo que o real nos mostra, e assim, nossas barragens vão se rompendo ao longo da vida. As dores crônicas, as enxaquecas, os cânceres, as gastrites, as somatizações diversas, não passam de sintomas sinais de que sua barragem está a ponto de estourar.
Freud nos afirmou certa vez que: “sofremos de reminiscências”. Ou seja, sofremos de lembranças. A memória nos faz sofrer. Do conteúdo memorizado, deste material guardado, o que não for tratado, retornará de forma avassaladora. O que você rejeita em si mesmo retorna por outras vias. Não que devamos querer saber de todo o lixo que rejeitamos; não que o ser-humano tenha que suportar todas as suas lembranças e resgatar da barragem o material tóxico intratável e assim suportá-lo a qualquer custo. Mas rejeitar tudo, sem um mínimo de esforço de tratamento é o que pode sobrecarregar a barragem e colocar o aparelho psíquico em colapso.
Em cada indivíduo, a barragem pessoal dá sinais de que algo não vai bem, pois o saber no real aponta e mostra. Insistir na negação desse saber no real é favorecer o desastre. É se colocar em risco.
Colar no real, saber ler o saber no real, fazer um bom uso da matemática na sua pulsão, não abusar das contas de seu afeto, não investir mal sua energia, aí sim podemos nos prevenir e sair de uma crise, na esfera particular ou na esfera pública.
A questão é prevenir-se de si mesmo, pois há um masoquismo estrutural que insiste em nos levar para a crise. O Ser humano precisa, no real, defender-se de sua própria pulsão de morte. E isso não tem como negar... Ou melhor, até tem, pois muitos vivem negando o real e pagam um alto preço por isso. Façamos as contas e decidamos em que estamos dispostos a pagar. Você é o parâmetro de si mesmo, portanto, sua própria solução. Basta ler o saber que existe no seu real.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Somos alegres ou felizes?

Recentemente, atendendo ao convite carinhoso para fazer uma pequena palestra no auditório do novo Hotel Tupyguá em Pedro Leopoldo-MG, em comemoração ao Dia da Secretária, pude trabalhar diversos temas da nossa era contemporânea. Resolvi publicar aqui um pouco da breve reflexão que pude levantar junto ao publico do tal evento.
Pois bem, vivemos em uma era na qual alguns estudiosos denominam de “hipermoderna”. E o que tais estudiosos, dentre eles, sociólogos, filósofos e psicanalistas, querem nos alertar é que estamos vivendo num estilo de vida onde tudo é “hiper”. Vivemos em uma hipermodernidade onde não existem mais o pequeno espaço particular, onde as coisas singelas estão perdendo sentido, onde as relações estão misturadas e sem sentido; onde também as imagens valem mais que as palavras, onde tudo é grandioso, imenso, rápido, acelerado, potente e cheio de informações. Ou seja, onde tudo é hiper! Porém quanto mais hiper nós somos, menos estruturados ficamos. O hiper te leva sempre ao olhar para fora, para o outro, e nunca para si mesmo. Ficamos mais alienados, mais objetalizados e mais desacreditados de nós mesmos. Tudo se resume ao quanto de “hiper” você consegue ter ou através de quantos “hiper” você pode ser medido e avaliado.
Além de hipermodernos, nós também nos tornamos seres líquidos. Não no sentido do líquido como a água, mas no sentido da liquidez e do tanto que estamos a cada dia liquidando tudo e a todos, e do quanto estamos nos liquidando como produtos e assim sendo liquidados. As relações se tornaram líquidas, efêmeras, dispensáveis, e nós seres humanos, estamos em liquidação!
Em meio a tanta hipermodernidade e a tanta liquidez, somos felizes?
Felicidade é um estado duradouro e constante, onde alguém sente-se bem mesmo com os problemas que possui. Felicidade não é euforia e está mais próximo de um sentimento estável e firme. Alegria é a euforia, a explosão, uma intensidade especial, porém fugaz, evanescente e que possui um pequeno tempo de existência. Teremos vários momentos de alegria, mas eles nunca durarão o bastante. Felicidade já é algo raro, pois é um estado a ser conquistado com muito amadurecimento. Alegria é momento, felicidade é um jeito de ser e de estar no mundo.
E então? Você é feliz? Ou você vive somente de alegrias?
E pensando aqui para além da vida particular, ampliando a provocação para nosso atual cenário no Brasil, será que somos um povo feliz? Muitos dizem que sim, inclusive os estrangeiros. Porém, em se tratando de Brasil, discordo plenamente e afirmo que somos um povo alegre, não feliz. Vivemos de pequenas alegrias, entra ano e sai ano, entra um político ou outro. Como nação, a meu ver, não experimentamos ainda a felicidade. Não temos isso estruturado, maduro e de forma contínua. Temos períodos de alegria, que logo acabam e assim voltamos a ser brasileiros. Voltamos a nossa crise cotidiana de país eternamente em desenvolvimento, não desenvolvido, não amadurecido.

A crise sempre esteve aqui, e a alegria também, pois caminham muito bem juntas. Felicidade é para poucos! A saída é cada um buscar a sua felicidade, e não viver somente de alegrias. Mesmo em um país que insiste em nos liquidar com pequenos momentos de alegrias, cada um precisa buscar sua estrutura firme, estável e cotidiana, apesar da crise. Amadurecer com e apesar dos problemas. Viver apesar das crises é ser maduro, e o amadurecimento é um caminho para a felicidade!

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Um problema típico dos casais... do ser-humano

Recentemente, em uma conversa com um casal amigo, surgiu a questão do porquê dos casais terem seu jeito particular de ser, de relacionar, tanto no modo como cada casal busca prazer como pelo modo como são marcados pelo desprazer, brigas e atribulações. Estas últimas, situações que aos olhos dos outros deveriam ser motivos de rompimento, término ou mudança. O que vemos na prática é que isso muitas vezes não muda, não causa um término e que o próprio casal se comporta de modo que o conflito se mantenha, mesmo sem terem consciência disso.
Como pode alguém querer viver assim dessa maneira?
A história de vida de cada um é permeada por vivências, ensinamentos, problemas e traumas que antes mesmo de nascermos estão prontos a serem passados de nossos ancestrais para nós. Nossos familiares nos transmitem uma soma de experiências, e essas se juntam àquelas situações que nós mesmos vamos presenciando desde a infância. Assim, formamos nossa personalidade e iniciamos certos padrões de comportamentos, repetições e imaginações que nem sempre nos trazem prazer.

Os casais se formam exatamente a partir das fantasias e marcas inconscientes que cada um possui e que em alguma medida se mostram favorecidas e instigadas pela fantasia do outro. Aqui cabem as expressões populares “um gambá cheira o outro” e “cada pé com seu chinelo”. Em um casal, os parceiros são os sintomas um do outro, são a dor e o prazer um do outro. Cada relacionamento satisfaz pontos particulares inconscientes de cada um, sejam pontos de sofrimento ou de prazer. Existem motivos fortes e nem sempre tão claros para isso... e nem sempre tão fáceis de serem abandonados.
Em relação às situações de sofrimento, somente quando um dos dois do casal decide não mais ficar tão entregue a esta carga inconsciente de comportamentos e de mal estar, que uma mudança pode ocorrer. Ou o(a) parceiro(a) revê também a sua postura, se retifica e se implica numa mudança ou o término provavelmente estará próximo.
Somos sim fruto de um meio, de uma criação, de cargas de nossas gerações passadas, mas diante disso temos nossas escolhas e decisões sobre o que queremos mudar. Antes mesmo de nascermos uma história já vinha sendo escrita e o que faremos com isso que nos foi dado é de responsabilidade de cada um. Cada um decide o que quer manter e repetir em um relacionamento. Ninguém é vítima de uma situação que se repete em sua própria vida e que conta com sua própria participação, por mais que muitos insistam em ocupar esse lugar de vítima.

Todo ser humano traz em si um traço masoquista e extrai prazer do sofrimento. Faça sua a responsabilidade por isso que em você se repete.