quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Descontrole pulsional no carnaval


Para vivermos em sociedade, respeitando uns aos outros, são necessários que façamos alguns sacrifícios. Além disso, somos pressionados a abrir mão de satisfazermos vontades em função dos outros e da comunidade. Nossa civilização é baseada na ideia de que para convivermos uns com os outros em harmonia é fundamental que cada um reprima seus impulsos e desejos que se mostram incompatíveis com a moral. Porém, esses impulsos, que na psicanálise recebem o nome de pulsão de vida e pulsão de morte, nunca serão totalmente domados ou civilizados, restando sempre uma parcela insatisfeita exigindo ser descarregada, e que nem mesmo toda a moral reguladora é capaz de conter.
Sofremos com o fato de não podermos realizar toda a pulsão, porque ela é por si só irrealizável por completo, e também porque não podemos fazer tudo que queremos da forma como queremos sem levar em conta o direito dos outros. Mas o que fazer com toda essa energia insatisfeita? Muitos descarregam nas artes, nos esportes, no trabalho... formas substitutas de satisfazermos nossa pulsão, mesmo que de forma indireta e sublimada.
Por outro lado, muitos se aproveitam do carnaval para dar escoamento a essa contenção pulsional acumulada ao longo da vida cotidiana. Assim, o carnaval acaba se tornando um período em que as pessoas aproveitam para realizar coisas que no dia a dia comum não podem ou não têm coragem de fazer. Há uma espécie de aceitação de que a vida é árdua demais, e que, no carnaval, temos uma liberdade momentânea para esquecermos a civilização e realizarmos todos os desejos reprimidos: beber demais, comer além da conta, realizar desejos sexuais, cometer atos transgressores, bater, matar e, em alguns casos até morrer, já que a pulsão de morte também pede seu espaço, e em pequenos atos vai dando mostras de seu potencial.
Em 1930, Freud, em seu texto “O Mal-estar na civilização”, nos alerta para um impasse, um mal-estar que vem do fato de um lado termos as pulsões internas exigindo satisfação e de outro a civilização nos impondo regras e impedimentos. A pulsão, quando negligenciada, retorna de forma mais contundente, mas o que fazer se ao mesmo tempo não podemos fazer tudo que queremos?
Cada um descobrirá sua forma de lidar com suas pulsões, de modo que não fiquem tão acumuladas e não caminhem para atos exagerados. Os pequenos prazeres de cada dia e as pequenas satisfações substitutas podem amenizar este mal estar da insatisfação. Nunca estaremos satisfeitos por completo e sempre carregaremos o sentimento de não-estar-bem na vida civilizada, porém, pequenas permissões de prazeres podem nos poupar de grandes tragédias. É preciso que cada um construa um saber fazer com a própria pulsão.
O carnaval tem se tornado um período de grande descarga pulsional, entretanto, isso não garante que a pessoa vá se sentir livre da pressão da pulsão e da moral civilizada. A pulsão será sempre insatisfeita, e moral sempre implacável. Aqui reside a diferença entre pessoas que fazem dessa insatisfação uma causa de novas buscas e novos prazeres, e aquelas outras que no carnaval chegam com o lema “Prazer a qualquer custo!” ou “É matar ou morrer!”.