Para vivermos em sociedade, respeitando
uns aos outros, são necessários que façamos alguns sacrifícios. Além disso, somos
pressionados a abrir mão de satisfazermos vontades em função dos outros e da
comunidade. Nossa civilização é baseada na ideia de que para convivermos uns
com os outros em harmonia é fundamental que cada um reprima seus impulsos e
desejos que se mostram incompatíveis com a moral. Porém, esses impulsos, que na
psicanálise recebem o nome de pulsão de vida e pulsão de morte, nunca serão
totalmente domados ou civilizados, restando sempre uma parcela insatisfeita
exigindo ser descarregada, e que nem mesmo toda a moral reguladora é capaz de
conter.
Sofremos com o fato de não podermos
realizar toda a pulsão, porque ela é por si só irrealizável por completo, e
também porque não podemos fazer tudo que queremos da forma como queremos sem
levar em conta o direito dos outros. Mas o que fazer com toda essa energia
insatisfeita? Muitos descarregam nas artes, nos esportes, no trabalho... formas
substitutas de satisfazermos nossa pulsão, mesmo que de forma indireta e
sublimada.
Por outro lado, muitos se aproveitam do
carnaval para dar escoamento a essa contenção pulsional acumulada ao longo da
vida cotidiana. Assim, o carnaval acaba se tornando um período em que as
pessoas aproveitam para realizar coisas que no dia a dia comum não podem ou não
têm coragem de fazer. Há uma espécie de aceitação de que a vida é árdua demais,
e que, no carnaval, temos uma liberdade momentânea para esquecermos a
civilização e realizarmos todos os desejos reprimidos: beber demais, comer além
da conta, realizar desejos sexuais, cometer atos transgressores, bater, matar
e, em alguns casos até morrer, já que a pulsão de morte também pede seu espaço,
e em pequenos atos vai dando mostras de seu potencial.
Em 1930, Freud,
em seu texto “O Mal-estar na civilização”, nos alerta para um impasse, um
mal-estar que vem do fato de um lado termos as pulsões internas exigindo
satisfação e de outro a civilização nos impondo regras e impedimentos. A
pulsão, quando negligenciada, retorna de forma mais contundente, mas o que
fazer se ao mesmo tempo não podemos fazer tudo que queremos?
Cada um descobrirá sua forma de lidar
com suas pulsões, de modo que não fiquem tão acumuladas e não caminhem para atos
exagerados. Os pequenos prazeres de cada dia e as pequenas satisfações
substitutas podem amenizar este mal estar da insatisfação. Nunca estaremos
satisfeitos por completo e sempre carregaremos o sentimento de não-estar-bem na
vida civilizada, porém, pequenas permissões de prazeres podem nos poupar de
grandes tragédias. É preciso que cada um construa um saber fazer com a própria
pulsão.
O carnaval tem se tornado um período de
grande descarga pulsional, entretanto, isso não garante que a pessoa vá se
sentir livre da pressão da pulsão e da moral civilizada. A pulsão será sempre
insatisfeita, e moral sempre implacável. Aqui reside a diferença entre pessoas
que fazem dessa insatisfação uma causa de novas buscas e novos prazeres, e
aquelas outras que no carnaval chegam com o lema “Prazer a qualquer custo!” ou
“É matar ou morrer!”.