quarta-feira, 30 de maio de 2012

O estranho silêncio do analista

Instigado pela frase que escutei de uma pessoa querida, trago aqui hoje um breve escrito sobre o silêncio do psicanalista.
É comum escutarmos de pessoas que se interessam por iniciar um tratamento psicanalítico a fala de que se sentiram estranhas neste contato com a sessão psicanalítica. A maior estranheza que sentem gira em torno do silêncio do analista. A pessoa que se aventura a procurar uma psicanálise percebe que o silêncio, na sessão, é introduzido e cultivado pelo psicanalista.
Isso não é por acaso, e certamente é o que diferencia o ouro da psicanálise de qualquer cobre psicoterapêutico que existe por aí. A rigor, esta sensação de estranheza diante do estranho silencio analítico, segundo Freud (1919), só surge quando entramos em contato com aquilo que temos de mais íntimo e escondido. Freud fez de um termo corriqueiro um conceito na psicanálise, é Das Unheimlich, o estranho. Para Freud “Unheimlich é tudo o que deveria ter permanecido secreto e oculto, mas veio à luz” (FREUD, 1919, p.282).
O estranho é o que encontramos na análise. A técnica e a ética do psicanalista proporcionam-nos o contato com aquilo que nós mesmos trazemos de mais íntimo e amedrontador. Estranhamos o que há de estranho em nós mesmos.
Defendemo-nos de nosso estranho íntimo em nome de uma repetição desprazerosa da vida, que sempre reclamamos, mas não abandonamos. Agarramo-nos aos mais complicados sintomas e comportamentos para nada do nosso inconsciente querermos saber.
Portanto, não tememos o estranho que sentimos, é apenas algo da intimidade se manifestando que, talvez, precise ser remodelada, tratada.
O psicanalista está na posição de escuta silenciosa exatamente para que o que precisa de fato ser dito venha à luz, no tempo de cada um.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

segunda-feira, 21 de maio de 2012

A causa da febre é a falta de aspirina no corpo?

Nas palavras do psicanalista francês Éric Laurent:
"Quando se constata que a dopamina, ou a inibição da recaptação de serotonina, produz efeitos, e se deduz que a causa da enfermidade é um déficit químico dessa substância, isso tem, do ponto de vista médico, mais ou menos, o mesmo valor do que dizer que a febre é causada por um déficit de ácido acetilsalicílico (aspirina) no corpo. Ora, não há dúvida de que a aspirina tem um efeito sobre a febre, mas sabemos que infecções não são causadas por um déficit de aspirina. Quando se constata que a dopamina é eficaz e produz uma série de efeitos em sujeitos deprimidos - aliás, efeitos muito variáveis - isso não permite dizer que a causa da depressão seja um déficit de dopamina. Se fosse assim, seria muito fácil detectar quem é deprimido: bastaria um exame de sangue no qual se constataria um déficit de dopamina para diagnosticar alguém como deprimido. Não seria preciso falar. Teríamos um teste bioquímico absolutamente factível, quando sabemos que não é bem esse o caso" (LAURENT, O que nos ensinam os autistas, 2012, p.20)

Esse é o problema da cientifização do ser humano. Tudo ficou reduzido à bioquímica do organismo. Esqueceram-se do afeto e do mais importante: as lembranças marcantes da história da pessoa. Lembranças que, mesmo sendo velhas, influenciam seu modo de vida.
Não basta somente ficarmos na crítica ao modelo de tratamento que só acredita na cura pela química. É preciso no cotidiano da clínica mostrarmos os efeitos de um trabalho que prima pelo subjetivo.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Muita ciência e pouco afeto


O resultado do avanço científico em nossas vidas não se discute. Em termos de tratamentos de saúde percebemos os grandes benefícios. As técnicas estão aí para nos trazerem alento, proteção, recuperação da saúde e bem estar. Porém, o uso da ciência na forma como tem sido recomendada, devasta o que ainda resta de subjetividade nas pessoas. Apesar de ser um problema já bastante discutido, cada dia que passa isso parece ser uma novidade espantosa; afinal de contas todo mundo acredita cegamente no milagre da ciência, ou pelo menos deixa que o destino da vida seja guiado somente pela ciência. Mas de que adianta uma técnica científica, um remédio, uma cirurgia de última geração, se não houver afeto do paciente envolvido no processo?
Falta contar com o fator afetivo, por exemplo, nas diversas técnicas de tratamento por aí.  Na maioria dos casos é uma boca isolada que ingere os medicamentos, e não uma pessoa dotada de valores biopsicossociais. Medica-se porque um protocolo diz pra medicar, como se todos os doentes fossem iguais. Esquecemos que mesmo sofrendo de doença idêntica, duas pessoas não são doentes do mesmo jeito.
Mas por que tanto uso de medicamentos sem precisão? Alguém ganha com isso. A indústria farmacêutica joga pesado e pressiona a medicina. Está para nascer o profissional que fará frente a esta pressão do mercado, pois será banido dos congressos, dos eventos, e é claro, das belas viagens patrocinadas pelos laboratórios farmacêuticos.
Volto a dizer: a medicação é fundamental na vida. O problema é o modo como o ser humano passou a usá-la. Ao ser usada de forma indiscriminada, a medicação perde valor, perde função. Mesmo no caso de antibióticos, se o paciente não estiver engajado com seu afeto e sua fantasia naquilo, nenhum efeito ele sentirá. A frustração acontecerá de ambas as partes, para o profissional e para o paciente. O paciente precisa acreditar no saber da pessoa do médico e não somente no poder da técnica, do remédio. E o médico precisa se fazer acreditado e não colocar o sucesso de seu atendimento na mão dos produtos da ciência.
As pessoas sumiram das clínicas. Isso mesmo! As salas de espera estão cheias, mas na maioria das vezes não são pessoas, são organismos desafetados pedindo remédios.
De um lado temos corpos mudos, e de outro, máquinas da ciência. A pessoa do paciente, suas angústias, suas expectativas, seus medos, não têm mais lugar nos consultórios. Além disso, o profissional de saúde perdeu sua autoridade de saber para se tornar um mero decifrador de exames. São poucos os profissionais que ainda fazem uma anamnese de qualidade e não são totalmente dependentes dos aparelhos científicos. Ah, mas se não fizerem isso eles morrerão de fome! Vão perder seus pacientes, pois gastarão muito tempo com cada consulta. Esse medo, esse receio medíocre, essa ganância me lembra o erro que o Sistema Educacional cometeu. A história nos mostra o mal que a pressa e a pressão por produtividade causou nos professores. O mal que a educação cientifizada, ausente de investimento emocional, causou nos profissionais das escolas. Perderam sua função de saber e viraram meros repetidores de livros didáticos de um sistema guiado por números e estatísticas, nunca pela qualidade. Esta lógica de funcionamento está bem próxima de ser o destino trágico do Sistema de Saúde. Se continuar assim, a saúde em geral terá o mesmo fim que a escola contemporânea. Ou seja, os profissionais de saúde sofrerão como os professores, os doentes e seus parentes se revoltarão agressivamente como os alunos e seus pais fazem atualmente.
A vida é feita de escolhas. O profissional escolhe como quer trabalhar, escolhe sua ética, e o paciente escolhe como quer ser atendido, como merece ser atendido.