O resultado do avanço científico em nossas vidas
não se discute. Em termos de tratamentos de saúde percebemos os grandes
benefícios. As técnicas estão aí para nos trazerem alento, proteção,
recuperação da saúde e bem estar. Porém, o uso da ciência na forma como tem
sido recomendada, devasta o que ainda resta de subjetividade nas pessoas. Apesar
de ser um problema já bastante discutido, cada dia que passa isso parece ser uma
novidade espantosa; afinal de contas todo mundo acredita cegamente no milagre
da ciência, ou pelo menos deixa que o destino da vida seja guiado somente pela
ciência. Mas de que adianta uma técnica científica, um remédio, uma cirurgia de
última geração, se não houver afeto do paciente envolvido no processo?
Falta contar com o fator afetivo, por exemplo, nas
diversas técnicas de tratamento por aí. Na
maioria dos casos é uma boca isolada que ingere os medicamentos, e não uma
pessoa dotada de valores biopsicossociais. Medica-se porque um protocolo diz
pra medicar, como se todos os doentes fossem iguais. Esquecemos que mesmo sofrendo
de doença idêntica, duas pessoas não são doentes do mesmo jeito.
Mas por que
tanto uso de medicamentos sem precisão? Alguém ganha com isso. A indústria
farmacêutica joga pesado e pressiona a medicina. Está para nascer o profissional
que fará frente a esta pressão do mercado, pois será banido dos congressos, dos
eventos, e é claro, das belas viagens patrocinadas pelos laboratórios
farmacêuticos.
Volto a dizer: a medicação é fundamental na vida. O
problema é o modo como o ser humano passou a usá-la. Ao ser usada de forma
indiscriminada, a medicação perde valor, perde função. Mesmo no caso de
antibióticos, se o paciente não estiver engajado com seu afeto e sua fantasia
naquilo, nenhum efeito ele sentirá. A frustração acontecerá de ambas as partes,
para o profissional e para o paciente. O paciente precisa acreditar no saber da
pessoa do médico e não somente no poder da técnica, do remédio. E o médico
precisa se fazer acreditado e não colocar o sucesso de seu atendimento na mão
dos produtos da ciência.
As pessoas sumiram das clínicas. Isso mesmo! As
salas de espera estão cheias, mas na maioria das vezes não são pessoas, são organismos
desafetados pedindo remédios.
De um lado temos corpos mudos, e de outro, máquinas
da ciência. A pessoa do paciente, suas angústias, suas expectativas, seus
medos, não têm mais lugar nos consultórios. Além disso, o profissional de saúde
perdeu sua autoridade de saber para se tornar um mero decifrador de exames. São
poucos os profissionais que ainda fazem uma anamnese de qualidade e não são totalmente
dependentes dos aparelhos científicos. Ah, mas se não fizerem isso eles morrerão
de fome! Vão perder seus pacientes, pois gastarão muito tempo com cada consulta.
Esse medo, esse receio medíocre, essa ganância me lembra o erro que o Sistema
Educacional cometeu. A história nos mostra o mal que a pressa e a pressão por
produtividade causou nos professores. O mal que a educação cientifizada,
ausente de investimento emocional, causou nos profissionais das escolas. Perderam
sua função de saber e viraram meros repetidores de livros didáticos de um
sistema guiado por números e estatísticas, nunca pela qualidade. Esta lógica de
funcionamento está bem próxima de ser o destino trágico do Sistema de Saúde. Se
continuar assim, a saúde em geral terá o mesmo fim que a escola contemporânea.
Ou seja, os profissionais de saúde sofrerão como os professores, os doentes e
seus parentes se revoltarão agressivamente como os alunos e seus pais fazem atualmente.
A vida é feita de escolhas. O profissional escolhe
como quer trabalhar, escolhe sua ética, e o paciente escolhe como quer ser
atendido, como merece ser atendido.