Verdrängung und Angst
Freud, no texto de 1915 nos ensina que o mecanismo fundante do inconsciente é o recalque, Verdrängung. A partir da operação recalcante inicia-se a divisão do sujeito.
Percebemos no desenvolvimento do texto que existem períodos lógicos ou etapas lógicas na constituição do inconsciente, e que isso não acontece cronologicamente. Lembro aqui da descoberta freudiana de que o inconsciente é atemporal.
Vejamos então: existe o recalque original, primevo ou precursor, que prefiro chamar de fundante. Mas este recalque fundante só se faz assim por meio dos recalques posteriores que resignificam-no. Afirma-se sua presença. Uma lógica de funcionamento semelhante ao processo de discurso humano e até mesmo à análise. Só no depois é que significamos o antes. Uma cena, palavra ou som experimentado que chamamos de S1 no decorrer da vida leva ao S2 que por sua vez retroage e estabelece um sentido sobre o outrora S1.
Os recalques posteriores são operações de defesa que incidem sobre moções pulsionais impedidas de serem satisfeitas, por trazerem desprazer ao sujeito. Estes recalques possuem ligação estreita e direta com o núcleo formado no período lógico do recalque originário. Este núcleo atrai novos recalques para assim manterem represadas as pulsões impossibilitadas de virem à tona.
Durante a leitura do texto freudiano utilizamos o termo “magnetismo” para dizer desta atração que o núcleo recalcado fundante promove nas posteriores situações da vida que por motivos subjetivos, mantenham relação com o material recalcado.
Pois bem, mas por que é preciso que o sujeito empreenda novos recalques? Por que é preciso continuar recalcando?
Vale ressaltar que nem sempre o sujeito continua a recalcar. Outros mecanismos de defesa podem ser colocados em jogo para o ser humano continuar a caminhar e a suportar a pulsão. Recusa (Verleugnung), negação (Verneinung) e a rejeição (Verwerfung) são alguns mais conhecidos por nós.
Voltemos ao questionamento anterior.
Uma quota da pulsão que por princípio satisfeita, causaria prazer, passa a ser desprazerosa por conta de quê?
Levantamos a hipótese de Freud já estar aqui neste texto de 1915, falando do que mais tarde em 1923 ele chamou de supereu, ou até mesmo do que em 1930 ele veio a chamar de “renúncias pulsionais a favor do convívio com os outros homens”.
Essa mesma pulsão outrora barrada de sua finalidade ou meta (ziel), solicita seu lugar ao sol. E quando vem, acompanha-se de seus representantes (Vorstellung). Representantes como um som, uma lembrança, uma palavra, um toque, um cheiro... Isso que retorna e pede passagem pode trazer medo, chamado no alemão freudiano de Angst.
Se há medo é sinal de que recalque outrora ocorreu. É sinal de há pulsão reivindicando satisfação.
O homem civilizado é o homem do medo. Temente ao Pai recalcado, Vorstellung da Lei, que em um momento lógico disse: Não!
Fugimos à nossa pulsão em favor dos outros, mas ao mesmo tempo evitamos os outros por conta da pulsão. Somos por estrutura, divididos. Sentimos medo (Angst) por isso. Tentamos nos livrar disso por meios mais diversos: adoecemos, somatizamos, atuamos, drogamos, bebemos, para nada desta divisão querermos saber.