segunda-feira, 25 de julho de 2011

Amy Winehouse: expressão da angústia de nossa época

Natural de Londres, cantora e compositora de inigualável capacidade, voz inconfundível e estilo original, Amy Jade Winehouse falece em sua mais autêntica forma de expressão. Não escondia seu problema, não fingia para e por ninguém, não negava que sofria.
Existem várias pessoas como Amy Winehouse por aí, mas ela era a expressão máxima do ser desesperado e iludido com o falso mundo propagado de nossa época. Um ser caído na armadilha do modo de vida atual que vende uma felicidade vazia, que tenta colocar o ser humano preso aos objetos, ou presa dos objetos de consumo.
Amy tornou-se a cada dia um ícone de nosso tempo. Ela nos transmitiu o que poucos conseguem perceber: apesar de estarmos cheio de coisas, a cada dia, nos sentimos mais vazios.
Nossa condição mais real e mais verdadeira é a falta. Mas o que o mundo pós-moderno tenta fazer é nos impedir de tomarmos conhecimento de nossa própria falta. Somos chamados a consumir objetos a cada dia, um após outro e assim caímos na trama do vazio. Tentar ofuscar a falta é antecipar a morte. Sentir falta é essencial para buscarmos os projetos de vida. Mas indo contra isso existe o vazio, mantido pela aquisição desenfreada e consumismo. E isto, acredito estar na base do que de pior aconteceu com a cantora, que mostrava a cada dia o tédio no qual se encontrava.
Freud em 1914 já nos dizia desta sensação de vazio intenso, a angústia, “Angst” em alemão. Lacan como bom freudiano que foi, deu à angústia, “Angoisse” em francês, um lugar de destaque no psiquismo humano. A angústia é um sinal. Um aviso de que algo não vai bem e que um vazio está presente. Só sentimos este vazio, este aperto, quando algo ocupa o lugar da tal falta, que por princípio causaria o nosso movimento de busca e desejo. A angústia é a ausência de sentido, é a paralização do desejo, é a falta da falta.
Amy Winehouse! Aquela que mostra a todos o vazio em que o mundo se encontra. A angústia pós-moderna em carne e osso, literalmente.
Uma frase que se repete em suas músicas e que me chama a atenção é “tears dry”, que no português seria “lágrimas secam”. Denúncia de uma mulher que está sem lágrimas, que está sem como chorar por algo que nem sabe ao certo o que é. Pelas letras musicais, a cantora nos dava notícia de sua intimidade, assim como na música "Rehab" em que ela diz resistir às internações para tratamento do uso de drogas e álcool.
Amy, aos poucos, pela via artística, tentava fazer algum apoio psíquico para continuar viva. Mas o uso de drogas compulsivo, agressões e tentativas de suicídio, e ainda, sua anorexia em mais alto grau, tomaram grande parte de sua existência. Tentativas desesperadas de fazer algum furo nisso que se mostrava tão pesado e cheio para ela. Tentativas de voltar a funcionar baseada na falta? Esteve ela desejando a vida e lutando com sua pulsão de morte? 
O ser humano está se entupindo com um discurso de falsa felicidade dependente dos objetos da tecnologia e da ciência. Permitam-se faltar! Deixem-se desejar! A vida se prolonga na falta, não nesse vazio angustiante, cheio de coisas, por onde entra também o porquê das diversas compulsões

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Freud e Lacan

"A psicanálise não tenta descrever o que é a mulher — seria esta uma tarefa difícil de cumprir —,mas se empenha em indagar como é que a mulher se forma, como a mulher se desenvolve
desde criança[...] Em suma, fica-nos a impressão de que não conseguimos entender as mulheres, a menos que valorizemos essa fase de sua vinculação pré-edipiana à mãe."
Sigmund Freud -  1932 - 'Feminilidade'


"Não é necessário ser psicanalista para saber que
quando qualquer pessoa[...]nos pede algo,
isto não é para nada idêntico, 
e inclusive às vezes
é diametralmente oposto àquilo que deseja"
Jacques Lacan - 1960 - 'Psicanálise e Medicina'

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Hereditariedade e a nossa desresponsabilização

Instigado pela pergunta de Patrícia Belisário (doutora em assuntos da vida), e contando com a crítica apurada de Neuza Alves (leitora assídua), trago aqui apontamentos sobre o modo como o ser humano se aproveita do fator hereditário e do discurso da ciência para conduzir de forma negligente os problemas e adoecimentos, em especial, os de ordem psíquica.
Atualmente, a postura que algumas pessoas adotam diante de seus problemas de comportamento e conflitos de personalidade, tem sido regida pela não responsabilização ou tentativa de não implicação, como se contra uma força genética ou de hereditariedade nada fosse possível fazer. Vale lembrar que a hereditariedade para a Psicanálise leva em conta a criação que recebemos, isto é, transmissão de valores, interpretações e posturas de vida, que vão além dos códigos genéticos. Além disso, a Psicanálise caminha de modo à pessoa assumir o próprio papel diante de sua carga hereditária, tomando para si a responsabilidade por seu modo de ser, viver e se comportar, mesmo que algo escape de sua consciência e razão.
Sabemos da relação que existe entre a carga biológica com a qual nascemos e a modificação que sofremos por conta das influências do meio. Somos produto do gene ou do meio? A interação destes dois pontos é inegável, mas isso não exclui o peso de nossas escolhas e as consequências que extraímos de nossas próprias decisões.
A isenção de responsabilidade que vivemos atualmente e a supervalorização do fator hereditário, promovendo uma negligência no modo como passamos a encarar nossas falhas, erros e adoecimentos, traz um problema gravíssimo: aprendemos a colocar a culpa nos ancestrais ou naquilo que trazemos deles no DNA. Seja para um adoecimento orgânico, seja para um modo de comportamento estranho e doentio, a tendência atual é justificarmos pela via da força genética ou de criação do meio, forças encaradas como impossíveis de serem mudadas.
Para o problema da agressividade ou do alcoolismo, por exemplo, muitos se justificam nos traços de família, como se contra isso nada pudesse ser feito, a não ser aceitar calado.
Estamos pagando um preço por transportarmos para os outros (pais, professores, e até mesmo a ciência) uma responsabilidade que é de cada um. A tendência em não mudar a acomodação no desprazer e a compulsão à repetição faz com que mais e mais pessoas deixem de se apoderar dos próprios problemas, e passem a conduzir a vida de modo negligente.
Espera-se muito da ciência. Confia-se muito nos laboratórios. Porém, na vida íntima, no cotidiano particular de cada um, pouco se faz para mudar. Raramente assumimos nossas falhas, faltas, e sempre achamos alguém para culpar, no caso aqui, sobrou até para as nossas gerações passadas.
Implicar-se naquilo que você faz, mesmo que não consiga, ainda, entender por que é que você faz; assumir que isso é seu e não da hereditariedade (como se fosse algo distante ou fora de seu alcance); e se implicar naquilo que age em você é uma forma de dar direções diferentes para isso que já vem se repetindo muito antes de você nascer.