segunda-feira, 23 de abril de 2012

Você contribui com seu desejo?


           Será possível alguém não contribuir para que seu desejo seja realizado? Ora, se a pessoa deseja, por que não realiza?
Aqui mora o problema do ser humano. Sua grande tendência em colocar seu desejo como algo inatingível. Sua grande tendência em fazer o possível para que o seu desejo torne-se algo impossível.
Existe em nosso jeito de viver, no nosso jeito de ser, uma dificuldade em bancarmos nosso desejo. Funcionamos muito pela via da responsabilização do outro pelos nossos fracassos e infelicidades. Abrimos mão dos sonhos em favor de uma postura vitimada e sofredora. Há muito narcisismo nisso, pois gasta-se muita energia em si mesmo e sobre si mesmo quando ficamos presos em pensamentos e atitudes de vítima. Sustentar este lugar do escolhido dentre tantos para sofrer no mundo e carregar o fardo do fracasso é um modo de satisfazer um narcisismo próprio.
O seu pior inimigo, o que realmente te impede de conquistar as coisas é você mesmo e não os outros. Cada um constrói, singularmente em sua fantasia inconsciente, o outro como o grande vilão, como o grande responsável por sua insatisfação. Porém, quem mais te atrapalha é você mesmo.
São diversos os exemplos de pessoas que são marcadas pelo fracasso, pela vida difícil e sofrida, pelo desejo sempre impossível de ser realizado. Freud em 1924 descobriu que no nosso funcionamento psíquico há uma tendência masoquista, uma tendência em ter satisfação no desprazer. Isso está para todos, e cada um satisfaz seu masoquismo no dia a dia da vida. Uns mais, outros menos. O que fazer, já que temos esta tendência masoquista em curtir o desprazer?
Ser feliz não significa ter todas as vontades satisfeitas, todos os objetivos realizados. Muito pelo contrário, isso seria o fim, o tédio, a morte. Viver de acordo com o desejo vai no sentido de permitir-se conviver com faltas e incompletudes, pois o desejar só existe por isso, e só tem sua razão de ser porque somos seres de falta.
Porém, muitos se prendem ao que falta e fazem disso um abismo sem fim. Quando o ser humano se perde nessa direção e se joga no abismo da perda, vê seus sonhos mais distantes, pois não faz das ausências uma causa de novas buscas, de novos projetos e novos planos.
Uma coisa é fundamental para que alguém consiga ser feliz: aceitar que não se é feliz por completo e o tempo todo. Aceitar que vivemos somente por conta dos furos, na medida em que são o motor da vida. Indo mais além, podemos até dizer que a felicidade não é algo universal comum a todos. Não há receita de felicidade. Cada um encontra seu modo feliz, na medida em que aprende a lidar com as incompletudes, na medida em que aprende a lidar com sua própria frustração e consegue caminhar de acordo com o desejo.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Narcisismo do ser contemporâneo


O fechamento do homem em si mesmo é uma marca de nosso mundo contemporâneo. Mas por que muitos se fecham em um bastar-se em si mesmo?
Com o passar dos dias, vemos cada vez mais seres passando de um lado para o outro, cada um na sua bolha, intocáveis e impermeáveis ao contato com o outro. Fala-se muito em globalização, mas na prática o que acontece é um efeito inverso à comunicação liberal. Muitas pessoas se vêem, mas poucas se dão à aventura do contato significativo com o outro. Talvez aqui se justifique o imenso crescimento de tecnologias criadas para aproximarem as pessoas, mas que ao meu ver nos afastam cada dia mais uns dos outros. Entre nós existem inúmeros instrumentos e aparelhos que criados para facilitarem o contato estão cada dia mais impedindo o convívio real entre os humanos.
O problema é que as pessoas aproveitam disso, inconscientemente, para alimentarem um narcisismo que desde os primeiros anos de vida faz parte de nossa personalidade. Então aqui eu pergunto: será que a ciência sacou o nosso narcisismo e cria todas essas tecnologias “cômodas” para conseguir vender cada vez mais e mais? O mundo percebeu que somos altamente narcísicos e um mundo foi criado para nos alimentarmos disso. Conseqüentemente alimentarmos nossa necessidade de tirarmos prazer de nós mesmos, fechados em nós mesmos.
Já virou uma bola de neve. Onde isso vai parar? Não sei, mas muitos narcísicos vão parar nos consultórios. Angustiados com um simples risco de perderem sua fonte de alimento narcisista. Não suportam correrem os riscos de se aventurarem nos encontros reais, frente a frente. Preferem a distância, as falas calculadas, pensadas e sem margem para erros.
O narcisismo é uma defesa contra a exposição, contra os riscos que corremos ao viver, ao se relacionar, ao amar. Que graça há se não corrermos esses riscos? No psiquismo há uma tendência a permanecer em repouso tudo aquilo que está em repouso, é a inércia que muitas vezes é maior que qualquer tentativa de dar uma volta além da bolha, de sair do útero confortável, porém isolador dos contatos mundanos. Comentei sobre a inércia psíquica no artigo passado, essa nossa tendência em permanecermos estagnados mesmo havendo aí um mal estar.
Não nos fechamos por acaso. Freud descobriu que extraímos grande cargas de prazer no narcisismo. Uma postura “cômoda” que evita as dificuldades de enfrentar a vida. Mas será que não enfrentando essas dificuldades, há vida?