terça-feira, 15 de outubro de 2013

Ser professor(a): missão impossível



Em homenagem aos professores, reedito aqui o artigo que publiquei em 2011. Trata-se de uma reflexão sobre a árdua tarefa de ser um(a) professor(a).
Freud disse por duas vezes ao longo de sua obra que uma das profissões impossíveis existentes seria a do educador. Junto desta profissão, outras duas impossíveis seriam a do psicanalista e a do governante. O que há em comum em tais profissões que as fazem serem consideradas impossíveis? Ser professor(a), uma tarefa impossível, visto a impossibilidade de conseguir fazer alguém entender algo por completo. Ser psicanalista, um trabalho impossível frente à impossibilidade de fazer alguém se livrar de sua neurose por completo. Ser governante, uma profissão impossível diante da difícil tarefa de atender todos os anseios e diferentes desejos da população.
As escolas e o papel do educador foram ao longo dos tempos perdendo sua função exclusivamente científica, ou talvez nunca a exercessem de verdade, porque as famílias aprenderam a deixar nas mãos dos professores funções muitas vezes não exercidas em casa, ou seja, as de pai e mãe.

A modernização e a globalização do mundo fizeram os pais e mães correrem para o trabalho e negligenciarem em grande parte a condução dos filhos, seja nos estudos, seja nos modos de comportamento, seja no jeito de respeitar a vida em comunidade e os outros. O que fazer se o trabalho cada dia mais afasta os pais dos filhos? Muitos dirão: Mande-os para a escola! Quanto mais tempo por lá ficarem, melhor será. Portanto, para quem fica toda a carga de responsabilidade? Professor herói! Professora santa!
Mas os(as) professores(as) são tão fortes assim? Não há dúvidas de que nossos educadores estão sofrendo e adoecendo. Afinal de contas, pai e mãe muitos já são em casa e ainda têm que ser no local de trabalho. Os que não são pais e mães na vida real, não possuem obrigação nenhuma de passarem a ser.
Mas o problema também nasce de outro ponto. O professor é gente. Sofre, adoece, sente medo, possui fraquezas e sonhos. Porém, fomos acostumados a enxergar no educador uma figura forte e inabalável. Quando pequenos, admirávamos sua posição de sabedoria e conhecimento. Quando éramos adolescentes, desconfiávamos desta autoridade toda e exigíamos que nos dessem mais responsabilidade e liberdade. Porém quando adultos então “responsáveis” e “livres”, entregamos novamente a eles as nossas responsabilidades como pais, e voltamos a depender deles. No entanto não os admiramos mais, e sim os cobramos, exigimos e reclamamos como se fossem obrigados a cuidar de nossos filhos e de nós mesmos indiretamente.
O que percebo nessas mães reclamonas e nesses pais brigões de porta de escola é um pedido de ajuda. Uma forma indireta de dizer que as coisas não andam nada bem em casa. A culpa diante do problema do filho é esvaziada ao colocar o problema como consequência da incapacidade do professor que não foi bom o bastante. Coitado(a) dos(as) professores(as), viraram psicanalistas também. Só faltam serem governantes. Isso é um trabalho para a Santa Professorinha ou para o Super-Professor-herói!

domingo, 13 de outubro de 2013

Um ato produz mais efeito do que muitas palavras

"Quando verão que o que prefiro é um discurso sem palavras?"
Jacques Lacan - 1968
Conclusão de 'Alocução sobre as psicoses da criança'. In "Outros Escritos"

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Entrevista ao Jornal Observador para o Dia dos Pais

Pais protetores
Nenhum pai deseja perigo para seus filhos. Porém o risco de proteger excessivamente pode se transformar numa dificuldade para ambos os lados, ocasionando falta de compreensão e atrapalhando o desenvolvimento das crianças. O OBSERVADOR conversou com o psicanalista Thales Siqueira de Carvalho

A criança, junto com seu pai, coberta de roupas da cabeça aos pés, vai fazer uma pequena visita a seus avós. Durante o percurso, a viagem é paralisada de quinze em quinze minutos, para que o pai verifique se seu garotinho está limpo, como faz sempre. Chegando à casa dos avós, não permite que a criança engatinhe no chão. Brincar somente no tapete, também não.
Satisfeito, o pai acha que, cuidando desta maneira, está fazendo com que seu pimpolho fique longe de todas as ameaças. A verdade é que, quanto mais zelo tem, mais receio de que o perigo possa acontecer. Dessa forma, pai e filho vão se acostumando e, sem notar, os responsáveis passam a proteger demais seus filhos deixando-os isolados. E se seguirem com isso, futuramente, o seu filho terá de conviver com crianças, mas sem nenhuma preparação para encarar o mundo.
Entre obrigação natural de dar proteção às crianças e os exageros da proteção, vários pais têm dificuldades em colocar seus próprios limites. Aos poucos, o que era comum, como não deixar que a criança fique brincando na areia do parque onde muitos gatos e cachorros passam, se torna uma ação radical de nem levar o filho ao chão.
Assim, até chegar à adolescência e mesmo quando adulto, os pais colocam uma difícil relação com seus filhos, que ocasiona incompreensão dos dois lados e atrapalha a autoconfiança dos pequenos. “Meus pais sempre retiraram as dificuldades que poderiam surgir para mim e me facilitavam as coisas. O interessante é que faziam isto para fazer cobrança depois. Eu compreendo a intenção deles, que é boa, mas isso atualmente me traz sequelas horrorosas. Não consigo lutar sozinho pelas coisas e correr atrás das minhas metas. Fui muito mimado”. Relata um jovem profissional liberal.
Este é um comportamento dos pais que dão muita proteção aos filhos. O objetivo, como disse o jovem, é ajudar só que, terminam criando uma relação de dependência e dificuldade para se desenvolver. O psicanalista Thales Siqueira de Carvalho, é Especialista em Teoria Psicanalítica e Mestre em Investigações Clínicas Psicanalíticas. Há 8 anos atende em seu consultório em Pedro Leopoldo-MG e Belo Horizonte-MG. Ele comenta a realidade de superproteção que se referiu o jovem:  “Na verdade, a superproteção de um pai ou de uma mãe revela a insegurança dos pais e não do filho. Quando um comportamento ou estilo de vida é perpetuado pelas gerações, os filhos tendem a repetir os pais no futuro. No caso, provavelmente, esse jeito do pai para com o filho têm suas raízes na maneira como este pai foi criado em sua infância. Não é por acaso que se comporta assim com o filho e os motivos disso podem ser tratados em análise, para que um destino menos angustiante seja dado a esse conflito”.
Muitos pais abdicam totalmente da proteção. Esta seria uma boa conduta para deixar que a criança caminhe com suas próprias pernas?  Thales responde: “proteção demais ou a ausência total dela dá na mesma, ou seja, em ambas as situações o filho crescerá de forma insegura e sem conseguir lidar sozinho com os desafios da vida. É fundamental que o filho sinta que pode contar com os pais, mas um poder contar quando precisar e não o tempo todo e de forma esmagadora. Exercer a função paterna é muitas vezes fazer uma presença pontual e não sufocante. É preciso saber que há um tempo para o filho deixar aberturas para que os pais entrem, pois também vai querer se virar sozinho em determinados momentos”.
O que se observa é que em diversos momentos, é mais fácil interferir para solucionar um problema do que deixar que o filho o avalie e mostre suas condições de resolvê-lo. Como esta atitude pode interferir na formação da personalidade da criança? “a personalidade se forma ao longo dos primeiros anos de vida, e uma criança crescer em um meio em que os pais resolvam tudo por ela acaba gerando um funcionamento psíquico de dependência extrema, de modo que a criança, no futuro vá repetir ocasiões em que isso novamente venha à tona, ou seja, provavelmente vai buscar se colocar em situações em que precise sempre de alguém para resolver as coisas por ela, seja no trabalho, escola e relacionamentos amorosos. Nós passamos a vida repetindo inconscientemente uma tentativa de revivermos aquelas relações afetivas infantis para com os pais, mesmo que desprazerosas e causadoras de angústia”.
É fundamental para os pais descobrir que a forma de levar a vida é baseada no equilíbrio entre colocar as mãos e regressar, para deixar que as crianças conduzam realmente as suas vidas. Sem isto, não terá valor a importância de decidir, de reconhecer suas possibilidades e também seus limites. Ajudar os filhos a crescer: esta é uma prova de amor realmente. Thales ainda complementa: “É preciso alguém para realizar a função paterna, não o tempo todo, mas de forma consistente no tempo que for preciso. Ser pai e mãe é inclusive saber se fazer faltar para o filho. Pois é a partir da falta que um filho se movimenta e cresce, mas isso não pode ser uma falta completa, pois aí teríamos a devastação”.


quarta-feira, 12 de junho de 2013

A tal “alma gêmea” existe?

De onde vem essa expressão?
   Vem da mitologia grega tentando explicar o porquê de sermos seres entregues à paixão. E especificamente na obra “O Banquete” de Platão, encontramos um discurso sobre o nascimento da ideia de alma gêmea. Trata-se de um castigo dos Deuses que ao perceberem os humanos completos em si mesmos, autossuficientes afetivamente por serem andrógenos (homem e mulher no mesmo corpo), promoveram uma cisão/separação ao meio, condenando a raça humana a procurar eternamente essa outra metade separada.
         Carregamos esse ímpeto de busca pela alma gêmea, pela cara-metade perdida, e que acreditamos nos completar.
        Só vivemos dignamente quando temos paixão, desejo e graça com a vida. É fundamental amar para que possamos suportar as árduas situações que a vida nos impõe no cotidiano. Porém, em um relacionamento, quando depositamos ali toda a felicidade de forma idealizada, de certa forma, depositamos o destino de nosso futuro nas mãos de um Outro, que por ser também um imperfeito humano, está passível de fracasso e desacerto. Isto é, nosso tão sonhado futuro ideal nunca será alcançado.
Relacionar e viver a dois deve ser algo que preserve espaço para a falta e para a renovação, caso contrário a decepção pode ser esmagadora e paralisante. Para haver desejo é preciso haver falta. O próprio nome já diz: “viver a dois” e não “viver a um”, em função de um, já que um afeto quando é unilateral só provoca alienação. Amar é trocar sentimentos, pois, mesmo que sejam desproporcionais e desiguais é possível haver afinidades. É na diferença que um casal se mantém, afinal de contas, amar alguém e ser amado por este alguém é sempre um encontro desencontrado ou desencontro encontrado.

A “alma gêmea”, de gêmea ela não tem quase nada, mas o pouco que tem já basta para iniciar um laço... e não um nó.

"Amar é dar o que não se tem" Jacques Lacan

Aproveitando a proximidade com o Dia dos Namorados, comemorado pelos brasileiros no dia 12 de junho, o ParPerfeito(www.parperfeito.com.br), maior site de relacionamento do Brasil, realizou uma pesquisa com 2.500 usuários para descobrir quais atitudes podem determinar o fim de um relacionamento. E, por incrível que pareça, a falta de romantismo foi determinante para que 40% dos homens entrevistados colocassem um ponto final em alguma relação que já tiveram. Parece que eles estão mais românticos do que imaginávamos. No ranking geral, os maus hábitos, como fumar e beber, aparecem em segundo lugar com 23% dos votos. O interesse por outra pessoa vem logo em seguida, com 19% das escolhas.
Ao questionar as mulheres sobre o mesmo assunto, a pesquisa do ParPerfeito mostrou que elas têm a mesma opinião que o público masculino. Para a mulherada a falta de romantismo também vem em primeiro lugar, com 50% dos votos, maus hábitos em segundo, com 31% das escolhas, e interesse em outra pessoa em terceiro, com 13% das respostas. Confira abaixo o resultado completo da pesquisa.


HOMENS
O que já te fez terminar um relacionamento sério?
Falta de romantismo 40%
Maus hábitos (beber, fumar, entre outros) 23%
Interesse por outra pessoa 19%
Não se dar bem com a família do parceiro 17%
Ganhar um presente ruim 1%
Fonte: ParPerfeito - Maio/2013

MULHERES
O que já te fez terminar um relacionamento?
Falta de romantismo 50%
Maus hábitos (beber, fumar, entre outros) 31%
Interesse por outra pessoa 13%
Não se dar bem com a família do parceiro 6%
Fonte: ParPerfeito - Maio/2013

Li a pesquisa e pude concluir que trata-se de uma queixa corriqueira da vida cotidiana. Ou seja, estamos diante da insatisfação que o ser humano tem com qualquer um que seja o seu parceiro amoroso.
Idealizamos demais o outro e queremos que ele nos supra de todas as formas. Essa é uma tentativa frustrada, pois ao depositarmos a ilusão de completude no outro estamos fadado ao desapontamento.
Quando gostamos de alguém depositamos todo nosso narcisismo insatisfeito nessa pessoa, e demandamos que essa pessoa preencha nossos furos e faltas.
Amar não é viver completo, mas saber viver com a falta, já que ninguém irá nos tirar desse desamparo estrutural que temos e que nunca curaremos. Podemos sim aprender a viver com esse desamparo eterno, sem que isso seja um problema, mas tornando-se uma causa de vida e de amor. Porém, um amor que respeite as diferenças e desacertos, já que conforme Jacques Lacan "amar é dar o que não se tem".

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Uma conclusão sobre a causa do terrorismo


O terrorismo vem se mostrando cada dia mais presente em nossa sociedade. Em diversos graus e de diversas formas, atentados consumados e ameaças violentas estão cada vez mais banalizadas em nosso cotidiano. Recentemente fomos surpreendidos com mais um ato terrorista nos EUA, especificamente na maratona de Boston. Os responsabilizados pelo ato são dois irmãos de 19 e 26 anos, religiosos islâmicos radicais que defendiam a luta pela independência da Chechênia, república que hoje faz parte da Federação Russa.
Não somente neste caso específico, mas em qualquer ato que esteja motivado por religião, causa política ou étnica, tem como pano de fundo um narcisismo doentio, que fazem os indivíduos terroristas considerarem qualquer diferença ou alteridade como algo insuportável e digno de ser eliminado. A causa do terrorismo é um narcisismo desmedido e sem limite!
Provavelmente os irmãos chechenos estariam em uma identificação narcísica sob um ideal acreditado como inabalável e acima de qualquer impedimento. Fato que pode os ter feito tomar a atitude radical do atentado, em nome de um objetivo idealizado, inquestionável e supremo.
Os seres humanos, quando identificados com um objetivo comum, são capazes de realizar atos extremos em nome de uma identidade grupal, ideal político ou por conta de uma alienação à figura de um líder. Toda manifestação agressiva contra algum grupo, população ou pessoa específica, passa por uma causa imaginária em torno de alguma idealização narcísica, que, por algum motivo, ficou abalada ou ameaçada. A violência é uma reação defensiva para que o buraco no narcisismo daquele que se sentiu ferido seja remediado. Um exemplo clássico e trágico disso foi o nazismo, que, a propósito, tem homofonia com a palavra narcisismo.
Temos um imenso desafio atualmente: pedem-nos paz e respeito ao próximo, mas estamos cada vez mais narcísicos e menos tolerantes com a diferença. Todos nós, de alguma forma, violentamos o outro que é diferente de nós, sejam com palavras ou atos. Quem nunca se sentiu incomodado diante daquele que lhe é diferente e assim reagiu com algum comentário ou um mínimo pensamento discriminador? O problema é que a intolerância de muitos acaba gerando reações extremas e doentias, que saem do nível do pensamento e chegam ao nível do ato. Portanto, qual será o nosso destino? Seremos um bando de narcísicos terroristas, cada um na sua bolha, destruindo uns aos outros em nome daquele ideal que acreditamos ser melhor que o do vizinho?
Há uma grande diferença entre um comentário e uma reação violenta, assim como há diferença entre sentir repulsa e passar ao ato. Porém todos nós somos narcísicos, cada um na sua medida, e não suportamos aquele que não nos é semelhante. Já dizia Caetano Veloso na música 'Sampa': “quando eu te encontrei frente a frente não vi o meu rosto. Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto. É que Narciso acha feio o que não é espelho”.

Fobia


Um dos grandes sintomas psíquicos que encontramos nos seres humanos é a tão famosa “fobia”, seja ela de qual objeto ou coisa for. Os fóbicos sofrem muito com isso, e sem mesmo terem consciência do porquê de tal comportamento, sentem a pressão e o peso da fobia como algo devastador. Não se trata de um medo simples, mas algo intenso e sem controle. Diferentemente do medo simples (que é vital e funcional para nossa vida, fazendo protegermo-nos e evitarmos problemas), a fobia traz muitas limitações e danos sociais para aquele que a sente.
Mas o que é uma fobia? Por que alguém chega a se comportar assim? De onde vem esse horror intenso diante de alguma coisa, a princípio tão simples? Impossível conversarmos sobre isso em apenas um artigo, mas podemos fazer aqui uma reflexão importante.
Não há como falarmos da fobia se não colocarmos em pauta a questão do inconsciente e da presença de um sistema inconsciente funcionando em nós, alheio à nossa vontade consciente. Um inconsciente que dita a nossa forma de comportamento no mundo, independente da nossa parte racional.
A fobia, seja ela um medo intenso de algum animal, fato, situação ou até mesmo a fobia social, têm suas raízes em questões inconscientes mal elaboradas e que solicitam expressão e descarga pulsional, mesmo que por vias tortas e drásticas como nessas manifestações de medo intenso e horror.
O medo extremo, o horror incontrolável diante de alguma coisa pode ser a descarga indireta de um conflito inconsciente que provavelmente venha de uma experiência que gerou grande carga psíquica.
Temos nossas defesas, nossas saídas, nossas válvulas de escape... Enfim, nossos sintomas pelos quais a pulsão encontra formas de descarga. Sintomas forjados inconscientemente, e que exigem de nós, muita energia e desgaste para serem contornados, assim como no momento de tratá-los. Ou seja, esvaziar uma fobia, exige empenho e paciência, pois não se vai à raiz inconsciente de um problema de maneira rápida e nem mesmo em um clique, da forma como estamos acostumados a fazer com tudo nessa vida hipermoderna que levamos.
Quando se trata de um ser humano, o tempo é outro!
Quando se trata de inconsciente, a lógica é outra!

quarta-feira, 27 de março de 2013

Desejo decidido


Há uma grande diferença entre desejar e ter um desejo decidido. Podemos passar uma vida inteira sonhando com as coisas que gostaríamos de realizar e assim vivermos na via do desejo insatisfeito ou impossível de concretizar. Isso é o pior!
O ser humano comete um grande erro ao manter o seu desejo como algo distante e inatingível, muito em função da ocupação com a realização do desejo dos outros. Há certa satisfação na dor da não conquista, do insucesso, e assim, muitos ficam parados nesse “eu desejo” e não se movimentam no “eu realizo”. Tem sempre algum ponto condensado ou alguma coisa pela qual nós nos deixamos ficar apenas no estado do “desejar”. É como se a cada corrida ficássemos na linha de largada imaginando o quanto seria bom o percurso até a linha de chegada. Chegar é preciso, e a graça da vida não está somente na chegada, mas no percurso que traçamos até lá. João Guimarães Rosa em “Grande Sertão: Veredas” já nos alertou: “O real não está na saída nem na chegada, ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”.
O desejo decidido é aquele que realizamos sem medo e sem necessidade de garantias e certezas. Realizamos porque queremos. É o que nos tira da inércia da insatisfação e nos coloca a dar um passo a mais na vida... fazer girar o moinho que vivia estagnado na ideia de quem sabe um dia algo fosse fazê-lo girar.
Desejar é fundamental para seguirmos com a vida adiante, mas ficar no desejo em estado imaginário, sem concluí-lo, é um engano. Cada um tem seu tempo e seu modo de lidar com o desejo, um tempo particular pelo qual não podemos nos deixar levar sem uma responsabilização, afinal de contas, este tempo da decisão é cada um quem o faz, produzindo o efeito de solavanco que nos tira da angústia da estagnação. É o solavanco que somente cada um pode operar em sua vida, de modo que a decisão de hoje promova aberturas para novas decisões futuras.
Se há algo que o desejo nos ensina é que por ele não se pode passar sem a coragem de realizá-lo. É preciso rigor para fazer, do desejo, algo decidido. Um rigor de conclusão, ou então ficamos na imaginação estéril e paralisante. Aqui mora a diferença radical entre o desejar infinito e o desejo concluído.
No próximo artigo falarei sobre “fobia”. Até lá!

quarta-feira, 6 de março de 2013

Religião ou ciência? Por onde seguir?


A renúncia do Papa no Vaticano trouxe uma série de dúvidas e discussões em torno da questão da religião e do papel dela no cotidiano das pessoas. As consequências de cada fato dependem de como o encaramos. O Papa renunciar, para uns é o fim, é a perda da direção, um motivo de desespero. Já para outros, pode ser um recomeço, uma renovação, uma nova etapa, assim como cada coisa da vida que nos exige adaptação e movimento.
Por mais que o Papa tenha alegado problemas de saúde, justificando assim sua renúncia, acredito que os motivos foram outros. Há uma grande diferença entre o catolicismo e o Vaticano como estado de poder financeiro. Não foi o primeiro Papa a renunciar... e a história mostra que aqueles que tentaram conter o espírito financista e mercantil dos mandantes do Vaticano acabaram sofrendo consequências cruéis. O poder do Vaticano não perdoa ninguém, nem mesmo os Papas, e sábios foram aqueles que souberam se retirar no momento certo.
Mas, enfim... voltemos ao que nos interessa aqui hoje!
Vivemos em um tempo em que a religião perdeu espaço para a ciência. Os fatos e vivências que antes eram justificados pelas diversas religiões, hoje são explicados minunciosamente pela ciência. Grande parte da fé e crença que as pessoas tinham nos papas, pastores e líderes espirituais, agora se encontra sob as conclusões das pesquisas científicas. O discurso científico tem arrebanhado fiéis de todos os tipos e classes, tornando-se assim, a meu ver, a grande religião de nossa época. Estamos crentes na ciência e é ela quem nos dita quais caminhos seguir.
Independente das respostas que cada uma nos fornece, seja a religião ou a ciência, em nossa época as pessoas estão vazias de ideais e sem direção de vida. Por isso, cada resposta científica e cada mandamento religioso são levados a ferro e fogo como a única coisa a ser seguida. É preciso relativizar o que o Outro nos manda seguir e ser. Esse grande Outro com “O” maiúsculo, ditando suas regras, se não questionado ou esvaziado, pode acabar se tornando um problema, ao invés de ajuda na busca de solução.
Há quem consiga conciliar ciência e religião, mas há também quem fique cego pela ciência ou pela religião. Fato é que tudo nessa vida exige uma dose de crença. Cada consulta médica, cada projeto de vida, cada sonho a ser realizado, cada orientação dada pelo padre, pastor, mestre, professor ou cada receita médica, precisa de nossa crença, ou então nenhum efeito terá sobre nós. Por outro lado, nossa vida se torna alienada quando somente acreditamos e não realizamos, ou também quando esperamos que o Outro realize por nós sem nos implicarmos em uma busca própria. Estamos acostumados a deixar nosso destino na mão deste grande Outro, e exigimos que ele não falhe.
Religião ou ciência? Qual delas seguir? Siga naquilo que te faz bem e torne-se o construtor de seu próprio destino! Mas relativize e questione o que está escrito aqui, para que isso não se torne também um grande Outro.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Descontrole pulsional no carnaval


Para vivermos em sociedade, respeitando uns aos outros, são necessários que façamos alguns sacrifícios. Além disso, somos pressionados a abrir mão de satisfazermos vontades em função dos outros e da comunidade. Nossa civilização é baseada na ideia de que para convivermos uns com os outros em harmonia é fundamental que cada um reprima seus impulsos e desejos que se mostram incompatíveis com a moral. Porém, esses impulsos, que na psicanálise recebem o nome de pulsão de vida e pulsão de morte, nunca serão totalmente domados ou civilizados, restando sempre uma parcela insatisfeita exigindo ser descarregada, e que nem mesmo toda a moral reguladora é capaz de conter.
Sofremos com o fato de não podermos realizar toda a pulsão, porque ela é por si só irrealizável por completo, e também porque não podemos fazer tudo que queremos da forma como queremos sem levar em conta o direito dos outros. Mas o que fazer com toda essa energia insatisfeita? Muitos descarregam nas artes, nos esportes, no trabalho... formas substitutas de satisfazermos nossa pulsão, mesmo que de forma indireta e sublimada.
Por outro lado, muitos se aproveitam do carnaval para dar escoamento a essa contenção pulsional acumulada ao longo da vida cotidiana. Assim, o carnaval acaba se tornando um período em que as pessoas aproveitam para realizar coisas que no dia a dia comum não podem ou não têm coragem de fazer. Há uma espécie de aceitação de que a vida é árdua demais, e que, no carnaval, temos uma liberdade momentânea para esquecermos a civilização e realizarmos todos os desejos reprimidos: beber demais, comer além da conta, realizar desejos sexuais, cometer atos transgressores, bater, matar e, em alguns casos até morrer, já que a pulsão de morte também pede seu espaço, e em pequenos atos vai dando mostras de seu potencial.
Em 1930, Freud, em seu texto “O Mal-estar na civilização”, nos alerta para um impasse, um mal-estar que vem do fato de um lado termos as pulsões internas exigindo satisfação e de outro a civilização nos impondo regras e impedimentos. A pulsão, quando negligenciada, retorna de forma mais contundente, mas o que fazer se ao mesmo tempo não podemos fazer tudo que queremos?
Cada um descobrirá sua forma de lidar com suas pulsões, de modo que não fiquem tão acumuladas e não caminhem para atos exagerados. Os pequenos prazeres de cada dia e as pequenas satisfações substitutas podem amenizar este mal estar da insatisfação. Nunca estaremos satisfeitos por completo e sempre carregaremos o sentimento de não-estar-bem na vida civilizada, porém, pequenas permissões de prazeres podem nos poupar de grandes tragédias. É preciso que cada um construa um saber fazer com a própria pulsão.
O carnaval tem se tornado um período de grande descarga pulsional, entretanto, isso não garante que a pessoa vá se sentir livre da pressão da pulsão e da moral civilizada. A pulsão será sempre insatisfeita, e moral sempre implacável. Aqui reside a diferença entre pessoas que fazem dessa insatisfação uma causa de novas buscas e novos prazeres, e aquelas outras que no carnaval chegam com o lema “Prazer a qualquer custo!” ou “É matar ou morrer!”.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Volta às aulas e as dificuldades de aprendizagem


Com a volta das aulas, voltam também as dúvidas de pais e professores quanto ao aproveitamento escolar de certos filhos/alunos.
O aprendizado de um aluno, quando insatisfatório, pode estar sofrendo influência de uma série de fatores que o rodeiam. Porém é exigido que o aluno dê conta dos trabalhos, dos deveres, das provas e das matérias, independente do que esteja acontecendo na sua vida particular, afetiva, social, e até mesmo independente do que esteja sofrendo no seu organismo. Ou seja, pouco importa seu estado psicológico e fisiológico, é necessário cumprir um cronograma e gerar resultados positivos; exigência que não deixa de trazer problemas também para os(as) professores(as). Mas essa exigência de saber acaba criando uma série de rótulos e diagnósticos nas crianças e adolescentes que, por algum motivo, não aprendem ou não se comportam da maneira como a escola gostaria.
Recentemente o Conselho Federal de Psicologia lançou a campanha de combate à medicalização da vida com o seguinte lema: “Se você acha que seu filho é muito arteiro, fique calmo! Ele está apenas sendo criança! Não ao uso indiscriminado de remédios nas escolas.” Essa campanha nos alerta para o fato de que na maioria dos casos não há nada de errado no cérebro da criança, mas sim que ele está apenas vivendo sua infância, ou então, que está passando por conflitos de ordem emocional na dinâmica familiar e que ele precisa extravasar.
O que esperar de uma criança que está passando por problemas pessoais? É normal ela ficar agressiva ou inibida na escola, pois talvez seja o único lugar em que ela possa se expressar. Seria mais adequado deixarmos de lado os diagnósticos de hiperatividade, ansiedade ou distúrbio de conduta para entendermos os fatores que estão impedindo o aluno de aprender. Parece que esquecemos que um aluno é gente, e como tal, sofre, tem medos, fica triste, adoece, sente reações no corpo, possui desejos e sonhos muitas vezes frustrados e incompatíveis com sua realidade.
Sim, é impossível a escola atender e entender cada aluno em sua particularidade, já que existem os conteúdos programáticos a serem cumpridos. Mas será mesmo que aprender significa somente cumprir com eficiência um cronograma? O que mais temos a oferecer aos nossos alunos, além de testes, notas e diagnósticos? Adoramos comparar e classificar os alunos, porque isso nos exime da responsabilidade sobre eles enquanto pais, professores e profissionais da saúde. O problema fica todo nas costas do aluno, pois se ele é agressivo, hiperativo ou desobediente não adianta fazer nada, é uma doença, um mal que ele carrega, e a culpa é somente dele.
É mais fácil rotular os alunos com uns diagnósticos do que nos perguntarmos em que medida nós os fazemos assim. Somente se fizermos a pergunta sobre o nosso papel nesse imenso número de alunos com ‘dificuldade de aprendizagem’ que poderemos, num segundo momento, convidar o aluno a se responsabilizar pelo conflito que está passando, e implicá-lo no seu próprio problema, ensinando-o a tomar as rédeas de sua própria vida e dar um destino diferente para aquilo que fizeram dele.