domingo, 13 de dezembro de 2015

Crise e desastre: interface entre o social e o subjetivo

Trago aqui um resumo de minha palestra, realizada na quarta-feira dia 02/12/15, em mais um evento no Hotel Tupyguá. Ocasião organizada por Maria Florêncio, que sabiamente trouxe convidados especiais implicados em pensar a condição humana e dispostos a uma reflexão crítica a respeito da tão falada “crise”, seja ela a crise social, seja ela a crise pessoal que cada um enfrenta em sua particularidade. Pude contar com uma participação ativa dos convidados em perguntas e pontuações perspicazes, dignas de pessoas atentas ao real. Segue abaixo o tema trabalhado no evento. Vou me restringir a escrever brevemente o que levantei como provocação a partir da Psicanálise.
            Qual é o estatuto das crises? A rigor, para a Psicanálise, toda crise é econômica! Seja ela do Estado ou de um indivíduo, o que coloca uma existência em crise é um problema econômico. E aqui não digo que economia, para a Psicanálise, se restrinja ao dinheiro, ao lado financeiro da coisa. O termo ‘econômico’ nos remete ao fator quantitativo e o quanto uma pessoa investe seu afeto, sua energia, sua pulsão de vida nas coisas que realmente vão lhe render frutos. E o quanto investir errado um afeto deixa um indivíduo em crise. No Estado, nos Governos, nas políticas ou na vida particular, o que traz uma crise é um desuso da matemática, é um descaso com o fator econômico, ou seja, é a negligência e boicote ao investir afeto, energia e pulsão onde você já sabia que não ia dar certo. Mas como saber que ali eu não terei um retorno interessante e irei me arruinar? Como evitar o problema econômico que me leva à crise? Pois bem, o que nos aponta uma crise e o que nos tira dela é o real! Basta ler o real! Assimilar o que real nos apresenta, pois as crises são sempre anunciadas. E quem nos anuncia é o real. Como dizia o psicanalista francês Jacques Lacan: “existe saber no real”. Há saber no real, e somente aqueles que conseguem ler este saber no real é que se posicionam de maneira interessante frente uma possível crise.
Um Estado ou uma pessoa só entra em crise, quando nega o saber no real. O real não falha, os fatos, os dados, os números, mostram, os resultados nos dizem algo, porém nós ignoramos, passamos adiante sem nada querer deste saber, e é exatamente assim que topamos com uma crise. Por rejeitarmos tanto o real, acabamos tendo que lidar com rompimentos de barragens, com o retorno daquilo que evitamos tratar e que apenas fomos guardando em um espaço onde não cabia mais tanto rejeito. O desastre da barragem na cidade de Mariana é uma metáfora do nosso funcionamento psíquico. O que aconteceu lá é similar ao que acontece dentro do psiquismo de cada pessoa. Rejeitamos aquilo que não queremos saber, evitamos ter que lidar com aquilo que o real nos mostra, e assim, nossas barragens vão se rompendo ao longo da vida. As dores crônicas, as enxaquecas, os cânceres, as gastrites, as somatizações diversas, não passam de sintomas sinais de que sua barragem está a ponto de estourar.
Freud nos afirmou certa vez que: “sofremos de reminiscências”. Ou seja, sofremos de lembranças. A memória nos faz sofrer. Do conteúdo memorizado, deste material guardado, o que não for tratado, retornará de forma avassaladora. O que você rejeita em si mesmo retorna por outras vias. Não que devamos querer saber de todo o lixo que rejeitamos; não que o ser-humano tenha que suportar todas as suas lembranças e resgatar da barragem o material tóxico intratável e assim suportá-lo a qualquer custo. Mas rejeitar tudo, sem um mínimo de esforço de tratamento é o que pode sobrecarregar a barragem e colocar o aparelho psíquico em colapso.
Em cada indivíduo, a barragem pessoal dá sinais de que algo não vai bem, pois o saber no real aponta e mostra. Insistir na negação desse saber no real é favorecer o desastre. É se colocar em risco.
Colar no real, saber ler o saber no real, fazer um bom uso da matemática na sua pulsão, não abusar das contas de seu afeto, não investir mal sua energia, aí sim podemos nos prevenir e sair de uma crise, na esfera particular ou na esfera pública.
A questão é prevenir-se de si mesmo, pois há um masoquismo estrutural que insiste em nos levar para a crise. O Ser humano precisa, no real, defender-se de sua própria pulsão de morte. E isso não tem como negar... Ou melhor, até tem, pois muitos vivem negando o real e pagam um alto preço por isso. Façamos as contas e decidamos em que estamos dispostos a pagar. Você é o parâmetro de si mesmo, portanto, sua própria solução. Basta ler o saber que existe no seu real.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Somos alegres ou felizes?

Recentemente, atendendo ao convite carinhoso para fazer uma pequena palestra no auditório do novo Hotel Tupyguá em Pedro Leopoldo-MG, em comemoração ao Dia da Secretária, pude trabalhar diversos temas da nossa era contemporânea. Resolvi publicar aqui um pouco da breve reflexão que pude levantar junto ao publico do tal evento.
Pois bem, vivemos em uma era na qual alguns estudiosos denominam de “hipermoderna”. E o que tais estudiosos, dentre eles, sociólogos, filósofos e psicanalistas, querem nos alertar é que estamos vivendo num estilo de vida onde tudo é “hiper”. Vivemos em uma hipermodernidade onde não existem mais o pequeno espaço particular, onde as coisas singelas estão perdendo sentido, onde as relações estão misturadas e sem sentido; onde também as imagens valem mais que as palavras, onde tudo é grandioso, imenso, rápido, acelerado, potente e cheio de informações. Ou seja, onde tudo é hiper! Porém quanto mais hiper nós somos, menos estruturados ficamos. O hiper te leva sempre ao olhar para fora, para o outro, e nunca para si mesmo. Ficamos mais alienados, mais objetalizados e mais desacreditados de nós mesmos. Tudo se resume ao quanto de “hiper” você consegue ter ou através de quantos “hiper” você pode ser medido e avaliado.
Além de hipermodernos, nós também nos tornamos seres líquidos. Não no sentido do líquido como a água, mas no sentido da liquidez e do tanto que estamos a cada dia liquidando tudo e a todos, e do quanto estamos nos liquidando como produtos e assim sendo liquidados. As relações se tornaram líquidas, efêmeras, dispensáveis, e nós seres humanos, estamos em liquidação!
Em meio a tanta hipermodernidade e a tanta liquidez, somos felizes?
Felicidade é um estado duradouro e constante, onde alguém sente-se bem mesmo com os problemas que possui. Felicidade não é euforia e está mais próximo de um sentimento estável e firme. Alegria é a euforia, a explosão, uma intensidade especial, porém fugaz, evanescente e que possui um pequeno tempo de existência. Teremos vários momentos de alegria, mas eles nunca durarão o bastante. Felicidade já é algo raro, pois é um estado a ser conquistado com muito amadurecimento. Alegria é momento, felicidade é um jeito de ser e de estar no mundo.
E então? Você é feliz? Ou você vive somente de alegrias?
E pensando aqui para além da vida particular, ampliando a provocação para nosso atual cenário no Brasil, será que somos um povo feliz? Muitos dizem que sim, inclusive os estrangeiros. Porém, em se tratando de Brasil, discordo plenamente e afirmo que somos um povo alegre, não feliz. Vivemos de pequenas alegrias, entra ano e sai ano, entra um político ou outro. Como nação, a meu ver, não experimentamos ainda a felicidade. Não temos isso estruturado, maduro e de forma contínua. Temos períodos de alegria, que logo acabam e assim voltamos a ser brasileiros. Voltamos a nossa crise cotidiana de país eternamente em desenvolvimento, não desenvolvido, não amadurecido.

A crise sempre esteve aqui, e a alegria também, pois caminham muito bem juntas. Felicidade é para poucos! A saída é cada um buscar a sua felicidade, e não viver somente de alegrias. Mesmo em um país que insiste em nos liquidar com pequenos momentos de alegrias, cada um precisa buscar sua estrutura firme, estável e cotidiana, apesar da crise. Amadurecer com e apesar dos problemas. Viver apesar das crises é ser maduro, e o amadurecimento é um caminho para a felicidade!