domingo, 16 de dezembro de 2012

Por que tantos estão abusando das drogas?


É importante observarmos o aumento considerável do número de casos de dependência química nos últimos anos. Apesar de ainda existirem os usos recreativos, os usos festivos, estamos vivenciando muito mais casos de dependência doentia ou abuso das substâncias. A que se deve este aumento de pessoas que abusam ou sentem-se viciadas nas diversas substâncias entorpecentes?
Existem os fatores psicológicos que preparam o terreno para a pessoa ficar viciada e existe também a influência da química no corpo, mas diante dessa pergunta sobre os motivos do aumento dos casos, não há como deixarmos de lado os fatores “hipermodernidade” e “consumismo”, como dois dos responsáveis por esse crescimento do uso de drogas entre as pessoas. Ou seja, além do fator particular de cada um, há a configuração social de nossa era hipermoderna, que nos leva a alcançar prazeres de forma muito rápida e sem limites, onde entramos como consumistas sem freio. Um grande ciclo de consumo hipermoderno faz nosso aparelho psíquico funcionar como uma máquina de gozo. Uma máquina que busca a satisfação a qualquer preço, e isso desde a infância. Porém, não somos capazes de atingir a satisfação imaginada, e então, recorreremos a outros modos de prazer. E é por aqui que a droga, muitas vezes, entra na vida do sujeito. Isto é, uma tampa para o buraco que a insatisfação pelo fato de não consumir, não adquirir, não ter, não sentir prazer deixa na pessoa.
A hipermodernidade consumista nos programa/manipula para querermos sempre mais e mais. Isso é um objetivo impossível! Quando frustramo-nos com a queda dessa ilusão que a sociedade nos vende, a droga torna-se um caminho fácil e intenso para ofuscar o sofrimento que cada um passa a sentir internamente. Uns chamam de angústia, outros de depressão, outros de tédio ou desânimo. São nomes diferentes para o vazio que a hipermodernidade nos traz.
Não somos vítimas por completo, pois há ainda a possibilidade de escolha por uma vida em que se considere o “não ter”, o “não poder”, o “não possuir”, o “não precisar”. Enfim, uma vida baseada no real do limite, e não na ilusão do “posso tudo a qualquer preço”. Aquele que se ilude neste ideal hipermoderno de felicidade sem fim, tem um passo em direção ao abismo do tédio que leva ao abuso de drogas, pois vai querer sentir prazer sempre. Prazer que a droga concede na mesma rapidez com que passa seu efeito. Ora, é exatamente a mesma lógica dos aparelhos e tecnologias das quais nos tornamos também dependentes. Prazeres rápidos, mas nunca duradouros. Isso nos leva a concluir que o vício não é somente por drogas, mas por qualquer coisa que nos traga sensação enganosa de prazer supremo.
O aumento dos casos de dependências e vícios não acontece sem a influência da lógica hipermoderna, que tem nos conduzido ao engano de que podemos ser felizes de forma absoluta e sem limites, mas, mesmo assim, é a pessoa que escolhe por quais caminhos buscará seus prazeres.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

O que aprendemos com a criança?


Se há algo que nos desafia, este algo se chama “criança”. Se há algo que é mais precioso para uma criança, este algo é sua infância. Etapa da vida, onde a estrutura de personalidade se forma, e que para sempre exercerá influência no modo como a pessoa conduzirá seu jeito de ser. A palavra “infância” vem do latim “infans”, que significa “aquele que não fala”. Porém, esse significado não se faz muito pertinente, já que, as crianças falam, mesmo que sem palavras, e, mais ainda, elas nos dizem muitas coisas pela via dos seus comportamentos e reações.
Nas famílias, nas escolas, nos meios em que a criança vive e cresce, existem vários fatores afetivos que exercem influência nos funcionamentos psíquico e corporal. Alguns sintomas, alguns comportamentos, podem ser frutos de desajustes emocionais que a criança sofre ou sofreu. Diversos são os casos em que determinada criança apresenta uma dor de cabeça, uma gastrite, insônia, atos agressivos, isolamento, apatia e dificuldade de aprendizagem, tudo isso como consequência de alguma experiência sofrida por ela e que ficou mal elaborada em sua mente. Raras são as situações em que uma dificuldade da criança se deve a um distúrbio cerebral por si só. Virou moda medicar todo tipo de reação das crianças. Devemos ter calma com isso, pois, se seu filho é bagunceiro, arteiro, levado, isso não é sinal de doença, é sinal de saúde, de vida. Talvez o problema esteja em você que quer calá-lo às custas de remédios psiquiátricos e neurológicos. Talvez quem precise de tratamento sejam os pais. Talvez o que precisa mudar é a vida que os pais levam.
O modo como nosso corpo funciona está intimamente ligado ao modo como experimentamos os fatos da vida. Ou seja, mente e corpo não são coisas separadas, mas andam juntas e em constante interação, seja apresentando saúde ou apresentando transtornos. Existem vários modos de se falar o que se está sentindo, mas nem sempre isso fica muito claro, nem mesmo para quem está tentando dizer. O que nossas crianças vêm apresentando, seja na família ou na escola, é uma forma delas dizerem que algo não vai bem, e que, por isso mesmo, elas consequentemente, não conseguem desenvolver alguma tarefa da forma como se espera. É assim também conosco, adultos. Isto é, reagimos ao que vivemos, ao que experimentamos no presente, ao que experimentamos no passado e ao que esperamos do futuro.
            Fiquemos atentos aos dizeres que a criança traz, muitas vezes através dos atos, pois nem tudo será passível de expressão por meio das palavras. E não esqueçamos que, medicar a infância de uma criança fará dela um ser adoecido, sem que ela necessariamente seja um doente, sem que ela necessariamente precise de Ritalina ou Diazepam. Na maioria dos casos, tentar compreendê-la e escutá-la pode ser um caminho mais digno!

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

A falência da função paterna


Onde está o pai? Esta é uma pergunta que muitos se fazem, não somente com relação aos problemas que as crianças e adolescentes nos apresentam, mas é uma pergunta que fazemos também diante do modo como a época atual funciona. Tudo parece não ter lei, não ter limites, não ter os “nãos” necessários de cada dia. Tudo parece não ter a presença da regulação, da moral, do corte no excesso, da contenção, coisas que no fundo, são reflexos do que a psicanálise entende por “função paterna”.
Muito além do que é um pai biológico, a função paterna é algo que exerce influencia direta no modo como uma pessoa, uma empresa, uma escola ou uma família funcionam. É a função paterna que organiza, concede limite, promove o corte nos excessos, direciona e estabiliza. Tal função não é exclusiva do pai biológico, pois muitas mães, ou outras pessoas, exercem essa função na família, no trabalho e na escola. Não basta ter pai, é preciso existir a função paterna. E isso faz toda diferença no crescimento de uma criança.
O grande problema de nossa época é que o pai parece ter sido excluído da cena. Há uma tendência das pessoas, (crianças e adolescentes em especial), a ficarem desorientadas e sem rumo no que diz respeito à condução da vida. No lugar da função paterna nós estamos colocando as tecnologias, as receitas, os remédios, o consumo de objetos, como se isso fosse nos garantir um destino, alguma contenção, algum direcionamento para a loucura que é viver na atualidade. Trocamos uma presença da função paterna pelo consumo dos objetos, na esperança de que isso irá nos salvar dos problemas. Há um engano cruel nesse modo de vida, sobre o qual, a cada dia, nós confiamos mais e mais, como que órfãos de pai, procurando em que nos agarrarmos e para onde irmos.
Estamos todos órfãos de função paterna. Sem as contenções do pai, nós seremos apenas meros consumidores desorientados. Não é por acaso que hoje percebemos o grande crescimento dos usos de drogas e dos atos agressivos, pois falta o corte que promove o apaziguamento. Mas como conter os excessos mortíferos, se queremos sempre mais, não importam as consequências? Como fazer uma criança aprender a lidar com a falta se a sociedade vende a ideia de que se pode ter tudo? Como crescer com direção, se as propagandas afirmam não haver limites para a felicidade? Como entender um ‘não’ se atualmente dá-se um jeito para sempre haver o ‘sim’?
Nós matamos o pai, e agora colhemos as consequências disso: estamos mesmo que mais informados, menos profundos, mais instáveis, menos ideológicos, mais alienados às modas, mais influenciáveis e, consequentemente, menos estruturados

terça-feira, 10 de julho de 2012

Em repúdio ao Ato Médico!

Mais uma vez a Psicologia se posiciona, juntamente com todas as outras classes de profissionais de saúde, contra o Projeto de Lei que pretende colocar a figura do médico como o monopolizador da promoção e recuperação da saúde.
O projeto do Ato Médico visa, de forma hipócrita, determinar que todos os atendimentos de outros profissionais de saúde (enfermeiro, psicólogo, nutricionista, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, farmacêutico, e etc.) estejam submetidos às ordens da medicina.
Caso isso aconteça, nosso sistema de saúde (particular e público) andará para trás e o pior prejudicado será o paciente.
A medicina, da forma como se propõe neste Ato Médico, quer mais lucros e menos cuidado com o paciente!

Em sintonia com meu artigo "Calma lá com esse tal de TDAH" postado aqui...


quarta-feira, 4 de julho de 2012

Consumismo, drogas e felicidade: problemas da hipermodernidade


A sociedade está doente. Sofre de um distúrbio que surgiu após a instalação do modo de produção capitalista. Trata-se do ‘distúrbio do consumismo’, que encontramos em formas agudas ou crônicas. Sem direção e perdidas por aí, as pessoas estão sendo consumidas pelo que consomem. Tal doença traz consequências como a angústia e a sensação de vazio. Além disso, sofremos do mal da pressa, pois o que conseguimos consumir desaparece na mesma velocidade em que chega a nossas mãos. Estamos cada vez mais ocupados e ocupando nossos filhos com coisas sem sentido afetivo. Somos considerados seres cada vez mais ágeis, versáteis, com imensos currículos, porém, estamos cada dia menos conscientes dos atos, menos reflexivos, menos autênticos, menos humanos e mais dependentes de alguma coisa.
Dentro dessa cena consumista de nossa hipermodernidade, o uso de drogas tem ocupado um lugar de destaque. É notável o aumento dos casos de abuso de entorpecentes e de álcool. Assim, o usuário de drogas vem se mostrando como o consumista perfeito. Ele é o exemplo claro do efeito da doença do consumismo, pois está sempre querendo mais e mais. Qual a causa disso? Há diversos fatores, mas podemos exaltar uma causa em particular: a predisposição humana à dependência somada ao estilo de vida atual.
Predisposição humana à dependência? Isso mesmo! Freud, em uma carta ao seu amigo Fliess, em 1897, diz ter descoberto que a dependência é uma forte tendência de nosso aparelho psíquico. Isso é algo que está presente em todos. Estamos sempre lutando contra o impulso de ficar dependente de alguma coisa, alguma prática, algum objeto, pois, tentamos tirar prazer de coisas que nos remetam inconscientemente às primeiras sensações de nossa vida, gravadas na mente como sendo as mais intensas. A hipermodernidade, diferente de outros tempos, favorece este tipo de comportamento, já que, atualmente, vale qualquer coisa para nos livrar das preocupações e problemas. Qualquer coisa que nos faça tentar voltar ao prazer dos primeiros meses de vida. Tudo que nos deixe fechados em nós mesmos, num narcisismo profundo. Podem ser os i-pads, carros, roupas, smartphones, remédios antidepressivos, cirurgias estéticas excessivas, as drogas e o álcool. São os substitutos do seio da mãe, são as chupetas da gente grande. Objetos do consumo que oferecem a ilusão de satisfação plena, e dos quais estamos cada vez mais dependentes.
 Queremos felicidade, não importam os meios. Fazemos e acontecemos para ter satisfação. Ora, essa inconsequência em busca do prazer não é exatamente o que o dependente químico faz? Então, será que estamos todos viciados em alguma coisa, e o uso de drogas é apenas o exemplo mais radical dessa doença social? Se para a hipermodernidade, ser feliz é ter satisfação completa, então somos todos infelizes, pois essa ideia é impossível. Essa é a ilusão do toxicômano com sua droga. Essa é a ilusão da sociedade do consumo como um todo. O problema é que quanto maior for essa ilusão, maior será o tombo!
Na busca de uma felicidade suprema, as pessoas estão se matando. Ao invés de um sonho gostoso, a felicidade passou a ser um problema. É preciso que cada um encontre sua maneira particular de ser feliz, lidando com as infelicidades reais da vida e com as insatisfações. Isso não precisa ser algo de megaproporção ou de última geração!

segunda-feira, 11 de junho de 2012

A prática ensina

Recentemente a prática clínica me ensinou que o sujeito não envelhece na mesma proporção que seu corpo.
É impressionante escutar de idosos, questões que parecem sair da boca de um adolescente.
As lembranças que ainda os inquietam, são antigas, coisas de infância, mas parecem bem recentes, como se tivessem ocorrido ontem.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Em complementação...

Seguindo a linha questionadora que apresentei em alguns artigos aqui publicados, trago um vídeo crítico sobre o modo como a sociedade contemporânea "hipermoderna" trata seus seres humanos, sejam eles usuários de drogas, crianças, adultos ou jovens.
É um vídeo produzido pelo CFP - Conselho Federal de Psicologia.
Vale assistir e se questionar, pois quem faz a sociedade somos nós mesmos.


quarta-feira, 30 de maio de 2012

O estranho silêncio do analista

Instigado pela frase que escutei de uma pessoa querida, trago aqui hoje um breve escrito sobre o silêncio do psicanalista.
É comum escutarmos de pessoas que se interessam por iniciar um tratamento psicanalítico a fala de que se sentiram estranhas neste contato com a sessão psicanalítica. A maior estranheza que sentem gira em torno do silêncio do analista. A pessoa que se aventura a procurar uma psicanálise percebe que o silêncio, na sessão, é introduzido e cultivado pelo psicanalista.
Isso não é por acaso, e certamente é o que diferencia o ouro da psicanálise de qualquer cobre psicoterapêutico que existe por aí. A rigor, esta sensação de estranheza diante do estranho silencio analítico, segundo Freud (1919), só surge quando entramos em contato com aquilo que temos de mais íntimo e escondido. Freud fez de um termo corriqueiro um conceito na psicanálise, é Das Unheimlich, o estranho. Para Freud “Unheimlich é tudo o que deveria ter permanecido secreto e oculto, mas veio à luz” (FREUD, 1919, p.282).
O estranho é o que encontramos na análise. A técnica e a ética do psicanalista proporcionam-nos o contato com aquilo que nós mesmos trazemos de mais íntimo e amedrontador. Estranhamos o que há de estranho em nós mesmos.
Defendemo-nos de nosso estranho íntimo em nome de uma repetição desprazerosa da vida, que sempre reclamamos, mas não abandonamos. Agarramo-nos aos mais complicados sintomas e comportamentos para nada do nosso inconsciente querermos saber.
Portanto, não tememos o estranho que sentimos, é apenas algo da intimidade se manifestando que, talvez, precise ser remodelada, tratada.
O psicanalista está na posição de escuta silenciosa exatamente para que o que precisa de fato ser dito venha à luz, no tempo de cada um.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

segunda-feira, 21 de maio de 2012

A causa da febre é a falta de aspirina no corpo?

Nas palavras do psicanalista francês Éric Laurent:
"Quando se constata que a dopamina, ou a inibição da recaptação de serotonina, produz efeitos, e se deduz que a causa da enfermidade é um déficit químico dessa substância, isso tem, do ponto de vista médico, mais ou menos, o mesmo valor do que dizer que a febre é causada por um déficit de ácido acetilsalicílico (aspirina) no corpo. Ora, não há dúvida de que a aspirina tem um efeito sobre a febre, mas sabemos que infecções não são causadas por um déficit de aspirina. Quando se constata que a dopamina é eficaz e produz uma série de efeitos em sujeitos deprimidos - aliás, efeitos muito variáveis - isso não permite dizer que a causa da depressão seja um déficit de dopamina. Se fosse assim, seria muito fácil detectar quem é deprimido: bastaria um exame de sangue no qual se constataria um déficit de dopamina para diagnosticar alguém como deprimido. Não seria preciso falar. Teríamos um teste bioquímico absolutamente factível, quando sabemos que não é bem esse o caso" (LAURENT, O que nos ensinam os autistas, 2012, p.20)

Esse é o problema da cientifização do ser humano. Tudo ficou reduzido à bioquímica do organismo. Esqueceram-se do afeto e do mais importante: as lembranças marcantes da história da pessoa. Lembranças que, mesmo sendo velhas, influenciam seu modo de vida.
Não basta somente ficarmos na crítica ao modelo de tratamento que só acredita na cura pela química. É preciso no cotidiano da clínica mostrarmos os efeitos de um trabalho que prima pelo subjetivo.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Muita ciência e pouco afeto


O resultado do avanço científico em nossas vidas não se discute. Em termos de tratamentos de saúde percebemos os grandes benefícios. As técnicas estão aí para nos trazerem alento, proteção, recuperação da saúde e bem estar. Porém, o uso da ciência na forma como tem sido recomendada, devasta o que ainda resta de subjetividade nas pessoas. Apesar de ser um problema já bastante discutido, cada dia que passa isso parece ser uma novidade espantosa; afinal de contas todo mundo acredita cegamente no milagre da ciência, ou pelo menos deixa que o destino da vida seja guiado somente pela ciência. Mas de que adianta uma técnica científica, um remédio, uma cirurgia de última geração, se não houver afeto do paciente envolvido no processo?
Falta contar com o fator afetivo, por exemplo, nas diversas técnicas de tratamento por aí.  Na maioria dos casos é uma boca isolada que ingere os medicamentos, e não uma pessoa dotada de valores biopsicossociais. Medica-se porque um protocolo diz pra medicar, como se todos os doentes fossem iguais. Esquecemos que mesmo sofrendo de doença idêntica, duas pessoas não são doentes do mesmo jeito.
Mas por que tanto uso de medicamentos sem precisão? Alguém ganha com isso. A indústria farmacêutica joga pesado e pressiona a medicina. Está para nascer o profissional que fará frente a esta pressão do mercado, pois será banido dos congressos, dos eventos, e é claro, das belas viagens patrocinadas pelos laboratórios farmacêuticos.
Volto a dizer: a medicação é fundamental na vida. O problema é o modo como o ser humano passou a usá-la. Ao ser usada de forma indiscriminada, a medicação perde valor, perde função. Mesmo no caso de antibióticos, se o paciente não estiver engajado com seu afeto e sua fantasia naquilo, nenhum efeito ele sentirá. A frustração acontecerá de ambas as partes, para o profissional e para o paciente. O paciente precisa acreditar no saber da pessoa do médico e não somente no poder da técnica, do remédio. E o médico precisa se fazer acreditado e não colocar o sucesso de seu atendimento na mão dos produtos da ciência.
As pessoas sumiram das clínicas. Isso mesmo! As salas de espera estão cheias, mas na maioria das vezes não são pessoas, são organismos desafetados pedindo remédios.
De um lado temos corpos mudos, e de outro, máquinas da ciência. A pessoa do paciente, suas angústias, suas expectativas, seus medos, não têm mais lugar nos consultórios. Além disso, o profissional de saúde perdeu sua autoridade de saber para se tornar um mero decifrador de exames. São poucos os profissionais que ainda fazem uma anamnese de qualidade e não são totalmente dependentes dos aparelhos científicos. Ah, mas se não fizerem isso eles morrerão de fome! Vão perder seus pacientes, pois gastarão muito tempo com cada consulta. Esse medo, esse receio medíocre, essa ganância me lembra o erro que o Sistema Educacional cometeu. A história nos mostra o mal que a pressa e a pressão por produtividade causou nos professores. O mal que a educação cientifizada, ausente de investimento emocional, causou nos profissionais das escolas. Perderam sua função de saber e viraram meros repetidores de livros didáticos de um sistema guiado por números e estatísticas, nunca pela qualidade. Esta lógica de funcionamento está bem próxima de ser o destino trágico do Sistema de Saúde. Se continuar assim, a saúde em geral terá o mesmo fim que a escola contemporânea. Ou seja, os profissionais de saúde sofrerão como os professores, os doentes e seus parentes se revoltarão agressivamente como os alunos e seus pais fazem atualmente.
A vida é feita de escolhas. O profissional escolhe como quer trabalhar, escolhe sua ética, e o paciente escolhe como quer ser atendido, como merece ser atendido. 

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Você contribui com seu desejo?


           Será possível alguém não contribuir para que seu desejo seja realizado? Ora, se a pessoa deseja, por que não realiza?
Aqui mora o problema do ser humano. Sua grande tendência em colocar seu desejo como algo inatingível. Sua grande tendência em fazer o possível para que o seu desejo torne-se algo impossível.
Existe em nosso jeito de viver, no nosso jeito de ser, uma dificuldade em bancarmos nosso desejo. Funcionamos muito pela via da responsabilização do outro pelos nossos fracassos e infelicidades. Abrimos mão dos sonhos em favor de uma postura vitimada e sofredora. Há muito narcisismo nisso, pois gasta-se muita energia em si mesmo e sobre si mesmo quando ficamos presos em pensamentos e atitudes de vítima. Sustentar este lugar do escolhido dentre tantos para sofrer no mundo e carregar o fardo do fracasso é um modo de satisfazer um narcisismo próprio.
O seu pior inimigo, o que realmente te impede de conquistar as coisas é você mesmo e não os outros. Cada um constrói, singularmente em sua fantasia inconsciente, o outro como o grande vilão, como o grande responsável por sua insatisfação. Porém, quem mais te atrapalha é você mesmo.
São diversos os exemplos de pessoas que são marcadas pelo fracasso, pela vida difícil e sofrida, pelo desejo sempre impossível de ser realizado. Freud em 1924 descobriu que no nosso funcionamento psíquico há uma tendência masoquista, uma tendência em ter satisfação no desprazer. Isso está para todos, e cada um satisfaz seu masoquismo no dia a dia da vida. Uns mais, outros menos. O que fazer, já que temos esta tendência masoquista em curtir o desprazer?
Ser feliz não significa ter todas as vontades satisfeitas, todos os objetivos realizados. Muito pelo contrário, isso seria o fim, o tédio, a morte. Viver de acordo com o desejo vai no sentido de permitir-se conviver com faltas e incompletudes, pois o desejar só existe por isso, e só tem sua razão de ser porque somos seres de falta.
Porém, muitos se prendem ao que falta e fazem disso um abismo sem fim. Quando o ser humano se perde nessa direção e se joga no abismo da perda, vê seus sonhos mais distantes, pois não faz das ausências uma causa de novas buscas, de novos projetos e novos planos.
Uma coisa é fundamental para que alguém consiga ser feliz: aceitar que não se é feliz por completo e o tempo todo. Aceitar que vivemos somente por conta dos furos, na medida em que são o motor da vida. Indo mais além, podemos até dizer que a felicidade não é algo universal comum a todos. Não há receita de felicidade. Cada um encontra seu modo feliz, na medida em que aprende a lidar com as incompletudes, na medida em que aprende a lidar com sua própria frustração e consegue caminhar de acordo com o desejo.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Narcisismo do ser contemporâneo


O fechamento do homem em si mesmo é uma marca de nosso mundo contemporâneo. Mas por que muitos se fecham em um bastar-se em si mesmo?
Com o passar dos dias, vemos cada vez mais seres passando de um lado para o outro, cada um na sua bolha, intocáveis e impermeáveis ao contato com o outro. Fala-se muito em globalização, mas na prática o que acontece é um efeito inverso à comunicação liberal. Muitas pessoas se vêem, mas poucas se dão à aventura do contato significativo com o outro. Talvez aqui se justifique o imenso crescimento de tecnologias criadas para aproximarem as pessoas, mas que ao meu ver nos afastam cada dia mais uns dos outros. Entre nós existem inúmeros instrumentos e aparelhos que criados para facilitarem o contato estão cada dia mais impedindo o convívio real entre os humanos.
O problema é que as pessoas aproveitam disso, inconscientemente, para alimentarem um narcisismo que desde os primeiros anos de vida faz parte de nossa personalidade. Então aqui eu pergunto: será que a ciência sacou o nosso narcisismo e cria todas essas tecnologias “cômodas” para conseguir vender cada vez mais e mais? O mundo percebeu que somos altamente narcísicos e um mundo foi criado para nos alimentarmos disso. Conseqüentemente alimentarmos nossa necessidade de tirarmos prazer de nós mesmos, fechados em nós mesmos.
Já virou uma bola de neve. Onde isso vai parar? Não sei, mas muitos narcísicos vão parar nos consultórios. Angustiados com um simples risco de perderem sua fonte de alimento narcisista. Não suportam correrem os riscos de se aventurarem nos encontros reais, frente a frente. Preferem a distância, as falas calculadas, pensadas e sem margem para erros.
O narcisismo é uma defesa contra a exposição, contra os riscos que corremos ao viver, ao se relacionar, ao amar. Que graça há se não corrermos esses riscos? No psiquismo há uma tendência a permanecer em repouso tudo aquilo que está em repouso, é a inércia que muitas vezes é maior que qualquer tentativa de dar uma volta além da bolha, de sair do útero confortável, porém isolador dos contatos mundanos. Comentei sobre a inércia psíquica no artigo passado, essa nossa tendência em permanecermos estagnados mesmo havendo aí um mal estar.
Não nos fechamos por acaso. Freud descobriu que extraímos grande cargas de prazer no narcisismo. Uma postura “cômoda” que evita as dificuldades de enfrentar a vida. Mas será que não enfrentando essas dificuldades, há vida?

quarta-feira, 28 de março de 2012

Todos compulsivos?

Vivemos em uma época onde tudo parece ser possível, ou pior, tudo virou uma questão de necessidade! Deparamos o tempo todo, nos espaços públicos, nos encontros, nas salas de aula, com o que a grande oferta atual de produtos e tecnologias tem causado aos modos de relacionamento humano. Se antes era difícil se relacionar, agora isso não entra nem mais na pauta do dia. Entre eu e o outro, agora existem o smartphone, o facebook, os i-tudo (i-pad, i-mac, i-pod, i-toch, i-phone). Relacionamo-nos agora é com esse tipo de coisa. A presença do outro vem a reboque como uma mera consequência. Não tem como a Psicanálise não se implicar e não se posicionar frente ao sem-limites do nosso mundo, ao gozo desenfreado da sociedade atual.
A cada semana prometem a felicidade. Nós, pobres humanos, acreditamos nesta ilusão, entramos no circuito da compra infinita, na corrida pela atualização. Queremos ter o melhor, o mais rápido, porém, a cada dia o melhor já não é o melhor. O cobiçado de hoje é o vergonhoso de amanhã. Que modo de vida é esse onde o melhor é efêmero? Desaparece na mesma velocidade que chega. Será então que realmente isso é o melhor? Puro jogo do mercado. Exercemos o poder de compra, mas nesse jogo de poder, acabamos entrando como subordinados. Os subordinados ao sem-limites do mundo tecnológico. Quais os efeitos desse modo de vida? Mega-solidões, Giga-isolamentos. O tratamento para este mal é o “Compre mais!”. Não perca tempo! Agora sim com este próximo produto você será feliz! Acesse o mundo e se conecte com todos! Porém, não nos avisaram do risco de se desconectar de si mesmo.
Pessoas vazias e sem direção. A i-fantasia desses produtos descartáveis se sustenta à custa de um mal-estar global. A sensação de desamparo é nítida, principalmente na classe jovem, parcela da população que acabou sendo mais fisgada por essa promessa fantasiosa de felicidade. Reparamos que os adolescentes só se movem em função dos objetos da tecnologia. Só se movem e se movem sós! A falta de ideais têm-lhes causado uma nova doença psíquica que eu chamo de i-tédio.
A compulsão é generalizada. Somos todos toxicômanos, dependentes e drogados pelos objetos. Existem vários tipos de drogas por aí, muito além das químicas. Objetos que nos alienam e nos tornam cada dia mais obcecados e cegos pela satisfação, não importa o quanto isso vai nos custar. E o preço que pagamos não é somente em dinheiro. Como andam os estudos, os namoros, as disputas que antes eram éticas e leais, os laços sociais? O que negligenciamos de um lado, volta com mais força por outro. Agressividade e ansiedade são alguns dos efeitos que as pessoas da geração i-posso tudo sentem quando são confrontadas com o ‘não’.
Estamos todos iguais, sem diferença, pois todos são consumidores. Todos são nivelados pela compulsão. A marca particular de cada um desapareceu. O traço singular que me possibilita viver de acordo com meu desejo está perdendo espaço. A diferença entre os seres é recusada. Mas o que fazer se é exatamente essa diferença que promove a graça da vida? Aquele que não é igual, que não compartilha da mesma compulsão está fora da rede. Uma rede virtual, nada real.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Autismo

A fim de tentarmos entender mais o mundo autista, vale a lida de alguns tópicos no site:
http://www.autismos.es/
.
A Psicanálise aborda o problema do autista considerando-o em sua particularidade. A direção de tratamento leva em consideração o que o sujeito pode construir a partir de seus recursos, mesmo que sob o olhar da ciência eles sejam considerados deficitários.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Sobre o real da transferência, motivo de existência do psicanalista

É somente pelo amor de transferência que o psicanalista opera em sua função:

"A transferência, em última instância, é o automatismo da repetição. [...] A transferência, por mais interpretada que seja, guarda em si mesma como que uma espécie de limite irredutível. [...] Na transferência, o sujeito fabrica, constrói alguma coisa. [...] Em outras palavras, parece-me impossível eliminar do fenômeno da transferência o fato de que ela se manisfesta na relação com alguém a quem se fala. Este fato é constitutivo."
LACAN, O seminário, Livro 8, a transferência, capítulo XII.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Para pensar e se indignar

Filósofa russo-americana Ayn Rand (judia, fugitiva da revolução russa, que chegou aos Estados Unidos na metade da década de 1920):
"Quando você perceber que, para produzir, precisa obter a autorização de quem não produz nada; quando comprovar que o dinheiro flui para quem negocia não com bens, mas com favores; quando perceber que muitos ficam ricos pelo suborno e por influência, mais que pelo trabalho, e que as leis não nos protegem deles, mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos de você; quando perceber que a corrupção é recompensada, e a honestidade se converte em auto-sacrifício; então poderá afirmar, sem temor de errar, que sua sociedade está condenada".