segunda-feira, 9 de abril de 2012

Narcisismo do ser contemporâneo


O fechamento do homem em si mesmo é uma marca de nosso mundo contemporâneo. Mas por que muitos se fecham em um bastar-se em si mesmo?
Com o passar dos dias, vemos cada vez mais seres passando de um lado para o outro, cada um na sua bolha, intocáveis e impermeáveis ao contato com o outro. Fala-se muito em globalização, mas na prática o que acontece é um efeito inverso à comunicação liberal. Muitas pessoas se vêem, mas poucas se dão à aventura do contato significativo com o outro. Talvez aqui se justifique o imenso crescimento de tecnologias criadas para aproximarem as pessoas, mas que ao meu ver nos afastam cada dia mais uns dos outros. Entre nós existem inúmeros instrumentos e aparelhos que criados para facilitarem o contato estão cada dia mais impedindo o convívio real entre os humanos.
O problema é que as pessoas aproveitam disso, inconscientemente, para alimentarem um narcisismo que desde os primeiros anos de vida faz parte de nossa personalidade. Então aqui eu pergunto: será que a ciência sacou o nosso narcisismo e cria todas essas tecnologias “cômodas” para conseguir vender cada vez mais e mais? O mundo percebeu que somos altamente narcísicos e um mundo foi criado para nos alimentarmos disso. Conseqüentemente alimentarmos nossa necessidade de tirarmos prazer de nós mesmos, fechados em nós mesmos.
Já virou uma bola de neve. Onde isso vai parar? Não sei, mas muitos narcísicos vão parar nos consultórios. Angustiados com um simples risco de perderem sua fonte de alimento narcisista. Não suportam correrem os riscos de se aventurarem nos encontros reais, frente a frente. Preferem a distância, as falas calculadas, pensadas e sem margem para erros.
O narcisismo é uma defesa contra a exposição, contra os riscos que corremos ao viver, ao se relacionar, ao amar. Que graça há se não corrermos esses riscos? No psiquismo há uma tendência a permanecer em repouso tudo aquilo que está em repouso, é a inércia que muitas vezes é maior que qualquer tentativa de dar uma volta além da bolha, de sair do útero confortável, porém isolador dos contatos mundanos. Comentei sobre a inércia psíquica no artigo passado, essa nossa tendência em permanecermos estagnados mesmo havendo aí um mal estar.
Não nos fechamos por acaso. Freud descobriu que extraímos grande cargas de prazer no narcisismo. Uma postura “cômoda” que evita as dificuldades de enfrentar a vida. Mas será que não enfrentando essas dificuldades, há vida?

4 comentários:

  1. Gostei!
    É um retrato fiel do ser humano que se diz moderno.

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  2. É uma reflexão simples em torno deste tema que pode ainda ser muito discutido.

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  3. Realmente é uma pergunta meio sem resposta essa que apresenta no final do texto. Não sei responder. Mas um comentário só para provocar mais discussão: você levanta a hipótese de a ciência (usando esse termo no sentido mais amplo possível) ter sacado o narcisismo e moldou o mundo para nos aproveitarmos disso com o mínimo de restrições. Será que a ciência já não surge para isso? Moldar o mundo externo ameaçador para se adequar aos desejos do ser humano sem ter que enfrentar sempre dificuldades? Por exemplo, para não correr o risco de passar fome, cria-se a agricultura. Para não correr o risco de passar frio, roupas e abrigo. E por aí vai. A pergunta fica sendo então contra qual risco estamos nos protegendo atualmente. O risco do encontro humano? Acho que se te entendi bem é nesse rumo que pensa que as coisas estão fluindo.

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  4. Bem colocado Marcus!
    O uso do termo ciência de forma generalizada complica a crítica que faço. Mas você, como me conhece bem, entendeu em que parte da ciência eu foquei o artigo. Vai nessa direção presente nas suas três últimas frases.

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