sexta-feira, 29 de abril de 2011

Aos psicanalistas e interessados no conceito de Recalque (pelo menos da forma como o entendo)

Verdrängung und Angst

Freud, no texto de 1915 nos ensina que o mecanismo fundante do inconsciente é o recalque, Verdrängung. A partir da operação recalcante inicia-se a divisão do sujeito.
            Percebemos no desenvolvimento do texto que existem períodos lógicos ou etapas lógicas na constituição do inconsciente, e que isso não acontece cronologicamente. Lembro aqui da descoberta freudiana de que o inconsciente é atemporal.
Vejamos então: existe o recalque original, primevo ou precursor, que prefiro chamar de fundante. Mas este recalque fundante só se faz assim por meio dos recalques posteriores que resignificam-no. Afirma-se sua presença. Uma lógica de funcionamento semelhante ao processo de discurso humano e até mesmo à análise. Só no depois é que significamos o antes. Uma cena, palavra ou som experimentado que chamamos de S1 no decorrer da vida leva ao S2 que por sua vez retroage e estabelece um sentido sobre o outrora S1.
Os recalques posteriores são operações de defesa que incidem sobre moções pulsionais impedidas de serem satisfeitas, por trazerem desprazer ao sujeito. Estes recalques possuem ligação estreita e direta com o núcleo formado no período lógico do recalque originário. Este núcleo atrai novos recalques para assim manterem represadas as pulsões impossibilitadas de virem à tona.
Durante a leitura do texto freudiano utilizamos o termo “magnetismo” para dizer desta atração que o núcleo recalcado fundante promove nas posteriores situações da vida que por motivos subjetivos, mantenham relação com o material recalcado.
Pois bem, mas por que é preciso que o sujeito empreenda novos recalques? Por que é preciso continuar recalcando?
Vale ressaltar que nem sempre o sujeito continua a recalcar. Outros mecanismos de defesa podem ser colocados em jogo para o ser humano continuar a caminhar e a suportar a pulsão. Recusa (Verleugnung), negação (Verneinung) e a rejeição (Verwerfung) são alguns mais conhecidos por nós.
Voltemos ao questionamento anterior.
Uma quota da pulsão que por princípio satisfeita, causaria prazer, passa a ser desprazerosa por conta de quê?
Levantamos a hipótese de Freud já estar aqui neste texto de 1915, falando do que mais tarde em 1923 ele chamou de supereu, ou até mesmo do que em 1930 ele veio a chamar de “renúncias pulsionais a favor do convívio com os outros homens”.
Essa mesma pulsão outrora barrada de sua finalidade ou meta (ziel), solicita seu lugar ao sol. E quando vem, acompanha-se de seus representantes (Vorstellung). Representantes como um som, uma lembrança, uma palavra, um toque, um cheiro... Isso que retorna e pede passagem pode trazer medo, chamado no alemão freudiano de Angst.
Se há medo é sinal de que recalque outrora ocorreu. É sinal de há pulsão reivindicando satisfação.
O homem civilizado é o homem do medo. Temente ao Pai recalcado, Vorstellung da Lei, que em um momento lógico disse: Não!
Fugimos à nossa pulsão em favor dos outros, mas ao mesmo tempo evitamos os outros por conta da pulsão. Somos por estrutura, divididos. Sentimos medo (Angst) por isso. Tentamos nos livrar disso por meios mais diversos: adoecemos, somatizamos, atuamos, drogamos, bebemos, para nada desta divisão querermos saber.

5 comentários:

  1. Quero ressaltar o caráter intrigante que a tradução do termo alemão 'Angst' provoca. Muitos dirão ser referente ao que conhecemos no português por 'angústia', outros dirão estar relacionado ao termo 'medo', mas um medo peculiar, usado no alemão da época de Freud.

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  2. Texto apresentado no grupo de estudos do Movimento Original de Psicanálise.

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  3. Um pouco longe desse assunto, mas só pegando um gancho ali no princípio quando apresenta a idéia de que o recalque opera só depois, lembrei que essa semana discutimos brevemente (Iara e eu) sobre os sonhos premonitórios e como a certeza que os acompanham são construídas somente após a premonição do sonho ser realizada. Ou seja, o sonho é remodelado para se adequar ao fato ocorrido e passa a ser premonitório. Qualquer dia debatemos isso a fundo.

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  4. Isso mesmo Marcus... há este efeito de retorno no sonho também, para que a pessoa consiga dar sentido para aquilo que se processa. Mas fica uma pergunta: o sonho já não adiantaria o que mais tarde o sujeito colocaria em ato como "acidente" de modo a justificar o que sonhou? Um processo que se dá inconscientemente.

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  5. É possível, talvez até mesmo provável, mas isso em sonhos e atos que dependam da atuação efetiva do sonhador para sua realização. Outros, por exemplo receber uma ligação de alguém com quem não falava há muito tempo, ou encontrar um conhecido de infância me parecem que vão depender mais da remodelagem da lembrança do sonho do que de outros fatores.

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